trapézio
a manhã
nasce num gesto escuro
quando a
espera se revela
inútil como
um útero
que não
sangra
o corpo
incauto põe-se
de tocaia:
aguarda outra deixa
para se
jogar
e ignora o
calafrio
esse arrepio
entre o umbigo e os seios
essa dor
terebrante no monte de vênus
anunciam
todo amor
dilacera
flamboyant
de novo
enflorece como há longos anos:
nódoa cor de
sangue desafia o azul sem nuvens
um naco de
delírio ronda a paisagem
instala o
passado na varanda e declara
é tempo de
paixão
folhas
flores um rumor um desvario:
a voz que
sussurrava
entre
gemidos e safadezas
"meu
doce"
bolero
haverá uma
esquina onde vão se encontrar
esfolar-se
em um passado de asas feridas
escutar a
música de uma partitura vazia
nenhum dos
dois vai mencionar palavras
como ruptura
mágoa desavenças tempestade
amargor
ruína asfixia e a pior delas: _______
vão insistir
nos seus melhores ângulos
nos finais
felizes das velhas fotonovelas
teimar outra
vez em fogo lento & brando
haverá
outros domingos outras esquinas
numa delas —
afinal — vamos nos despedir:
como uma
menina antiga e um menino tonto
natureza
urbana
no centro da
mesa a
velha
fruteira guarda
os boletos a
pagar:
arranjo de
frutas & aflição
para sonata
de insônia
furores
a prima C.
despedaçando no meio-fio a cabeça de louça da minha primeira boneca
os dentes de
leite
a apatia da
Santíssima Trindade
a cor branca
o corpo de
Hitler descendo aos infernos
o vestido do
primeiro baile, de veludo, me consumindo
o fogo que
arde sem se ver
o silêncio
de Guantánamo
um gato
molhado
a letra A
o último
tango em Paris
o olho
amputado de Abu Ghraib
a sandália
havaiana do atropelado revirando-se pela avenida
as jaulas
uma mulher
morrendo por lapidação na Arábia Saudita, Paquistão ou Nigéria
a banda de
música do 11° Batalhão de Infantaria de [ilegível]
às 12h31m na
Av. Paulista
o tempo: as
rugas os fracassos os vícios: o tempo
o terceiro
movimento da Nona de Beethoven
o
responsório de Santo Antônio
as
quintas-feiras
a hipotenusa
play it once, Sam, for old time's sake
a sombra da
solidão no escuro
o poema As
Coisas, de Borges
o signo de
Escorpião
a distância
entre o estampido do revólver e a parede
a palavra
in-can-des-cen-te
Genaro,
quando abro as pernas e deixo-o entrar
habeas
corpus
nada como a
esperança para curar as dores
de uma era
oca: beco da morte-sem-saída
nada como o
ódio para acelerar o rumo de
uma história
infeliz de busca & apreensões
[quando a
minha fome beija a sua sede
meus olhos
se encontram com meus olhos
minha alma
fareja o que sobrou dos restos
mais humanos
do corpo ultrajado: o meu]
descarregaram
a ira em apenas um que era
multidão:
ela atira tinta em vez de sangue
aqui não é
paris: mas a estrela brilha sobre
os ladros de
ocasião: dizem que vão pegá-los
que venham
os bárbaros: inda que seja tarde
que cheguem
com mais fúria: com mais medo
Silvana Guimarães. Escritora, nasceu em Beagá/MG, onde vive. Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Participou de várias coletâneas e organizou algumas. Editora da Germina — Revista de Literatura & Arte [www.germinaliteratura.com.br] e do site Escritoras Suicidas [http://www.escritorassuicidas.com.br]. Publica seu primeiro livro de poesia em 2020, se fizer bom tempo.
Artur Gomes
FULINAIMAGENS
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