sábado, 2 de outubro de 2021

Mírian Freitas - 5 poemas

 


                                   DA MORTE

 

Quando a morte chegar a esta casa

não ameaces o silêncio com o choro convulso.

Vá até o pomar e colhe frutos

aperta entre os dentes as peras

e os figos

mentaliza todas as flores amarelas

acaricia a lágrima da ausência

deita-te sobre a relva e lembra-te dos pássaros

e do arder do vento

entre as  árvores e as águas

que se repetem.

 

NO CAMINHO COM HILDA HILST

 

Penso árvores noturnas e me inundo de sentimento.

 

Entre cavalos  e os vales do silêncio

procuro-me nas hastes  do tempo.

Parecem voar os pensamentos mais duros

ficam comigo os mais leves

como águas no arfar do peito.

 

O crânio ferido é a veste da carne.

Já não enxergo o sol como antes.

 

Aves  se precipitam num voo de morte.

 

Do hemisfério sul ao norte

encontrei garras de felinos

mágoas de humanos sem nomes, perdidos

em seus esconderijos de paredes 

e cálices vazios.

 

FLUXO

 

Entre nuvens, cascalhos, águas, répteis,

te sei. Sobrevivente da sina encurtada

nas linhas da palma

és a versão única de perdão e  nobreza

− vento que toca meu rosto

asa de ouro, cabelos de cobre

braço do rio.

Após o tempo dos dias ruins

nenhum segredo  a mais posso te contar

depois que tu me disseste que

o amor não morre nunca.

 

 

VOZ-FÊMEA

 

Tuas costas negam qualquer espécie de perdão.

Quem haveria pecado mais do que eu,

do que tu mesmo?

Possuímos o crânio da ilusão.

O poema se exilou para além dos muros

das abóbodas do Taj Mahal.

 

O pássaro tardio leva no bico a semente

 de mostarda

o pelicano celebra na sombra

as  desvantagens do amor,

o suplício de um dialeto novo,

o  desejo da palavra loucura.

 

PÁSSARA

Todo pássaro é mulher.

 

Voa  no espaço sideral

ao alcance das estrelas

sobe até as últimas instâncias

do infinito

sabe de Deus e de seus esconderijos

 

tem o corpo de penas

os  seios de mármore

o ventre de prata

 

é o hemisfério iluminando a visão

entre os tons amarelo e ouro

acima das nuvens

 

traz em si

a luz que rasga no além

o horizonte

− aurora longitudinal tecendo fios

de vida −

cordões umbilicais

abastecendo o planeta

de raízes e asas.

 

Mírian Freitas é mineira, escritora, reside em Juiz de Fora, MG (Brasil). Doutora em Literatura Comparada (UFF), lecionou por anos nos EUA, em Massachusetts. Atualmente é professora do IFSUDESTE/JF. Escreveu Intimidade vasculhada (narrativas- 7Letras), Exílios naufrágios e outras passagens (poemas- Patuá), Caio Fernando Abreu: Uma poética da alteridade e da identidade (Ensaio ilustrado- CRV). Publicou em antologias no Brasil e Portugal (Leiria e Lisboa) e nas revistas CULT, CP Literatura, Palavra Comum, Subversa, Mallarmargens, Acrobata, Ruído Manifesto, Desvario, Arribação, Tamarina, Arara,  Diversos Afins e outras.  


Artur Gomes

FULINAIMAGENS

www.fulinaimaens.blogspot.com

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