DA MORTE
Quando a morte chegar a esta casa
não ameaces o silêncio com o choro convulso.
Vá até o pomar e colhe frutos
aperta entre os dentes as peras
e os figos
mentaliza todas as flores amarelas
acaricia a lágrima da ausência
deita-te sobre a relva e lembra-te dos pássaros
e do arder do vento
entre as árvores e as
águas
que se repetem.
NO
CAMINHO COM HILDA HILST
Penso árvores noturnas e me inundo de sentimento.
Entre cavalos e os
vales do silêncio
procuro-me nas hastes
do tempo.
Parecem voar os pensamentos mais duros
ficam comigo os mais leves
como águas no arfar do peito.
O crânio ferido é a veste da carne.
Já não enxergo o sol como antes.
Aves se precipitam num
voo de morte.
Do hemisfério sul ao norte
encontrei garras de felinos
mágoas de humanos sem nomes, perdidos
em seus esconderijos de paredes
e cálices vazios.
FLUXO
Entre nuvens, cascalhos, águas, répteis,
te sei. Sobrevivente da sina encurtada
nas linhas da palma
és a versão única de perdão e
nobreza
− vento que toca meu rosto
asa de ouro, cabelos de cobre
braço do rio.
Após o tempo dos dias ruins
nenhum segredo a mais
posso te contar
depois que tu me disseste que
o amor não morre nunca.
VOZ-FÊMEA
Tuas costas negam
qualquer espécie de perdão.
Quem haveria pecado mais
do que eu,
do que tu mesmo?
Possuímos o crânio da
ilusão.
O poema se exilou para
além dos muros
das abóbodas do Taj
Mahal.
O pássaro tardio leva
no bico a semente
de mostarda
o pelicano celebra na
sombra
as desvantagens do amor,
o suplício de um
dialeto novo,
o desejo da palavra loucura.
PÁSSARA
Todo pássaro é mulher.
Voa no espaço sideral
ao alcance das estrelas
sobe até as últimas instâncias
do infinito
sabe de Deus e de seus esconderijos
tem o corpo de penas
os seios de mármore
o ventre de prata
é o hemisfério iluminando a visão
entre os tons amarelo e ouro
acima das nuvens
traz em si
a luz que rasga no além
o horizonte
− aurora longitudinal tecendo fios
de vida −
cordões umbilicais
abastecendo o planeta
de raízes e asas.
Mírian
Freitas
é mineira, escritora, reside em Juiz de Fora, MG (Brasil). Doutora em Literatura
Comparada (UFF), lecionou por anos nos EUA, em Massachusetts. Atualmente é professora
do IFSUDESTE/JF. Escreveu Intimidade vasculhada (narrativas- 7Letras), Exílios
naufrágios e outras passagens (poemas- Patuá), Caio Fernando Abreu: Uma poética
da alteridade e da identidade (Ensaio ilustrado- CRV). Publicou em antologias
no Brasil e Portugal (Leiria e Lisboa) e nas revistas CULT, CP Literatura, Palavra
Comum, Subversa, Mallarmargens, Acrobata, Ruído Manifesto, Desvario, Arribação,
Tamarina, Arara, Diversos Afins e
outras.
Artur Gomes
FULINAIMAGENS
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