sábado, 9 de outubro de 2021

Ademir Assunção - EntreVistas

 



Ademir Assunção, acaba de lançar pelo selo Demônio Negro, mais livro de poesia RISCA FACA, ampliando ainda mais a sua marca: poesia afiada, faca apontada para o aviltamento dessa idade mídia, e a barbárie pandemônica em que fomos enfiados.

Ademir, faz parte de um time seleto de poetas que conheci bem antes da criação dessas  “redes sociais”, face, zap, instagram. Lá pelos idos do anos 90, do século passado, por carta foi-me apresentado pelo nosso querido e saudoso mestre amigo Uilcon Pereira. E exatamente em  1996, se deu o nosso primeiro encontro, quando ele apresentava sua performance,   performance na programação do projeto Poesia 96, no Centro Cultural São Paulo, e a partir daí, imediatamente, começou um diálogo, o meu  interesse por sua poesia, que se dá a partir da leitura do seu livro: ZONA BRANCA.

Minhas leituras sobre sua poesia é constante, e sempre que encontro algum de seus poemas que me desafiam para gritar em voz alta, não perco tempo: xingo, no palco ou na tela do computador. Nossos  encontros foram se dando espontaneamente, muitos deles ao acaso, outros programados, em Saraus, Feiras, Projetos,  e mesmo nos botequins para um bom bate papo, como este que você vai ler a seguir:

Ademir Assunção (1961) é poeta e jornalista. Publicou 14 livros de poesia, contos, romance e jornalismo, entre eles A Voz do Ventríloquo (Prêmio Jabuti 2013), Pig Brother (finalista do Prêmio Jabuti 2016), Ninguém na Praia Brava, Adorável Criatura Frankenstein, Zona Branca, LSD Nô e Faróis no Caos. Tem poemas e contos traduzidos para o inglês, espanhol e alemão, publicados nos EUA, Espanha, Argentina, México, Peru e Alemanha. Gravou os cds de poesia e música Viralatas de Córdoba e Rebelião na Zona Fantasma. Letrista de música popular, tem parcerias gravadas por Itamar Assumpção, Edvaldo Santana, Titane, Patrícia Amaral e Ney Matogrosso. Jornalista profissional há mais de três décadas, trabalhou como repórter e editor em grandes jornais e revistas do país, como Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Jornal da Tarde e Marie Claire. Idealizador e curador da exposição Leminski: 20 Anos em Outras Esferas, sobre a obra do poeta curitibano, no Instituto Itaú Cultural. É um dos editores da revista literária Coyote. Em 2021 com o poema CAVERNA,  participou da Mostra Cine e Vídeo de Poesia Falada, realizada pelo SESC Piracicaba, nos meses de Abril/Maio com curadoria de Artur Gomes.

 Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?

 Ademir Assunção - Há muitos anos que vejo e filtro o mundo por meio da linguagem. Da linguagem poética, com seus ritmos, silêncios, sonoridades, imagens alucinantes e pensamentos eletrizantes. Tudo o que vejo, percebo e sinto, tento transformar em matéria poética. Portanto, vivo em estado de poesia o tempo todo.

 Artur Gomes - Seu poema preferido? Seu ou de um outro poeta de sua preferência.

Ademir Assunção - Muitos são os poemas preferidos. E eles vão e vêm, não em vão, como diria Oswald de Andrade. Ultimamente, eu diria que é Dentro da noite veloz, de Ferreira Gullar. Estes versos ecoam na minha cabeça, especialmente neste momento tão desprovido de caráter e superpovoado de vidas tão estreitas:

“Serei dentista? / talvez quem sabe oftalmologista? / Otorrinolaringologista? / Responde a bauxita (da Kaiser Aluminium): / serás médico aborteiro / que dá mais dinheiro // Serei um merda / quero ser um merda / Quero de fato viver. / Mas onde está essa imunda / vida – mesmo imunda? / No hospício? / num santo / ofício? / no orifício / da bunda? / Devo mudar o mundo, / a República? A vida / terei de plantá-la / como um estandarte / em praça pública?”

 Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?

 Ademir Assunção - Alguns são definitivos: Maiakovski, Torquato Neto, Rimbaud, Wislawa Szymborska, Augusto de Campos, Iessienin, Paulo Leminski, Oswald de Andrade. Muitos, e estão sempre em rodízio. Ultimamente tem sido Celso de Alencar, com o livro Testamentos.

 Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsiona para escrever?

 Ademir Assunção - Existe todo um software que fui instalando ao longo dos anos no meu processador criativo: sonoridades, ritmos, jogos de imagens, cortes de frases, que se tornaram metas que persigo com minha linguagem. Mas isso é apenas o processador. Cada poema é uma surpresa, um desvio de rota, uma retomada de caminho, um novo desafio. Senão, não teria a menor graça. Falaria uma língua de fantasma, como dizem os Yanomami. A poesia é minha sonda de prospecção para investigar tudo o que está a minha volta.

 Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua vida¿ Ou em sua Obra?

 Ademir Assunção - A Divina Comédia, de Dante Alighieri, especialmente o Inferno.

 Artur Gomes - Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?

 Ademir Assunção - Sim. Já gravei cds de poesia e música (Rebelião na Zona Fantasma e Viralatas de Córdoba), já fiz poemas visuais, poesia em prosa e agora estou trabalhando com poemas cinéticos, ou poemas animados, como prefiro. Aliás, um adendo: sei que vira-latas se grafa com hífen (o abelhudo corretor do Windows, inclusive, acabou de me corrigir), mas acho desnecessário. Gosto mais da beleza do desenho da palavra grafada sem hífen: viralatas. Tenho minhas idiossincrasias e, às vezes, elas me pedem que desrespeite a própria língua.

 Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?

 Ademir Assunção - Este, por exemplo, publicado em um dos meus livros mais recentes, Risca Faca:

 

UM IDIOTA NO MEIO DO CAMINHO

 

não havia uma pedra no meio do caminho

havia um idiota completo com seu olor de ódio

um idiota completo que relinchava

 sem a elegância dos cavalos

um idiota completo com seu fedor de coisa pútrida

babando bílis, bebendo pus, peidando, defecando

sobre bandeiras verdes sem matas

sobre bandeiras azuis de céus sufocantes

sobre bandeiras amarelas de raiva

sobre bandeiras brancas manchadas de sangue

um idiota completo regurgitando e resfolegando

violência, tortura, ameaças, assassinatos

um idiota completo e mentiroso com seu pau hasteado

numa selva escura e sem saída, sem onça-pintada

sem lobo-guará, sem tatu-peba, sem rola-bosta

um idiota completo que berra nos ouvidos de madalena

eu não te estupro porque você é feia!

meu filho não te come porque você é preta!

um führerzinho mal ajambrado em talho tosco

gritando morte aos veados! morte aos vermelhos!

morte aos que ouvem essa música barulhenta!

morte aos montes! morte em marte! marche! marche!

e a turba trevosa e tenebrosa entra em transe

e afia as facas e estala as esporas e engatilha as armas

revelando às crianças uma face dura e rude

sem leveza, sem beleza, sem delicadeza alguma

 

um idiota tão maligno e digno de pena

que nem vale o esforço de um poema

 

 Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?

 Ademir Assunção - Lamento profundamente os que se foram por conta da pandemia, inclusive alguns amigos. Muitas mortes poderiam ter sido evitadas se não tivéssemos um demente tão despreparado no comando do país, cercado de delinquentes igualmente despreparados, exceto para pilhar, destruir e odiar tudo o que está em volta. Acho que essas almas sebosas passarão, mas certamente virão outras para substituí-las. Os que souberam ouvir e perceber o que os tempos estão dizendo, cada vez com mais intensidade, esses passarinhos.

 Artur Gomes – No prefácio do livro Pátria A(r)mada  o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele trás as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?

 Ademir Assunção - Minha tribo é a dos poetas aimorés punks zen.

 Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?

 Ademir Assunção - Não sei dizer. Mas gosto de pensar que é importante estar com as antenas o mais altas possível e os pés bem enraizadas no chão, no barro do chão, de onde nasce o baião.

 Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?

 Ademir Assunção - Por que tantos humanos parecem pálidos fantasmas? Porque não sabem ouvir a música da Terra girando em torno de si mesma e em torno do sol.



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