Ademir, faz parte de um time seleto de poetas que conheci bem antes da criação dessas “redes sociais”, face, zap, instagram. Lá pelos idos do anos 90, do século passado, por carta foi-me apresentado pelo nosso querido e saudoso mestre amigo Uilcon Pereira. E exatamente em 1996, se deu o nosso primeiro encontro, quando ele apresentava sua performance, performance na programação do projeto Poesia 96, no Centro Cultural São Paulo, e a partir daí, imediatamente, começou um diálogo, o meu interesse por sua poesia, que se dá a partir da leitura do seu livro: ZONA BRANCA.
Minhas leituras sobre sua poesia é constante, e sempre que encontro algum de seus poemas que me desafiam para gritar em voz alta, não perco tempo: xingo, no palco ou na tela do computador. Nossos encontros foram se dando espontaneamente, muitos deles ao acaso, outros programados, em Saraus, Feiras, Projetos, e mesmo nos botequins para um bom bate papo, como este que você vai ler a seguir:
Artur Gomes - Como se processa o seu estado de poesia?
Ademir Assunção - Há muitos anos que vejo e filtro o mundo por meio da linguagem. Da linguagem poética, com seus ritmos, silêncios, sonoridades, imagens alucinantes e pensamentos eletrizantes. Tudo o que vejo, percebo e sinto, tento transformar em matéria poética. Portanto, vivo em estado de poesia o tempo todo.
Artur Gomes - Seu poema preferido? Seu ou de um outro poeta de sua preferência.
Ademir Assunção - Muitos são os poemas preferidos. E eles vão e vêm, não em vão, como diria Oswald de Andrade. Ultimamente, eu diria que é Dentro da noite veloz, de Ferreira Gullar. Estes versos ecoam na minha cabeça, especialmente neste momento tão desprovido de caráter e superpovoado de vidas tão estreitas:
“Serei dentista? / talvez quem sabe oftalmologista? / Otorrinolaringologista? / Responde a bauxita (da Kaiser Aluminium): / serás médico aborteiro / que dá mais dinheiro // Serei um merda / quero ser um merda / Quero de fato viver. / Mas onde está essa imunda / vida – mesmo imunda? / No hospício? / num santo / ofício? / no orifício / da bunda? / Devo mudar o mundo, / a República? A vida / terei de plantá-la / como um estandarte / em praça pública?”
Artur Gomes - Qual o seu poeta de cabeceira?
Ademir Assunção - Alguns são definitivos: Maiakovski, Torquato Neto, Rimbaud, Wislawa Szymborska, Augusto de Campos, Iessienin, Paulo Leminski, Oswald de Andrade. Muitos, e estão sempre em rodízio. Ultimamente tem sido Celso de Alencar, com o livro Testamentos.
Artur Gomes - Em seu instante de criação existe alguma pedra de toque, algo que o impulsiona para escrever?
Ademir Assunção - Existe todo um software que fui instalando ao longo dos anos no meu processador criativo: sonoridades, ritmos, jogos de imagens, cortes de frases, que se tornaram metas que persigo com minha linguagem. Mas isso é apenas o processador. Cada poema é uma surpresa, um desvio de rota, uma retomada de caminho, um novo desafio. Senão, não teria a menor graça. Falaria uma língua de fantasma, como dizem os Yanomami. A poesia é minha sonda de prospecção para investigar tudo o que está a minha volta.
Artur Gomes - Livro que considera definitivo em sua vida¿ Ou em sua Obra?
Ademir Assunção - A Divina Comédia, de Dante Alighieri, especialmente o Inferno.
Artur Gomes - Além da poesia em verso, já exercitou ou exercita outra forma de linguagem com poesia?
Ademir Assunção - Sim. Já gravei cds de poesia e música (Rebelião na Zona Fantasma e Viralatas de Córdoba), já fiz poemas visuais, poesia em prosa e agora estou trabalhando com poemas cinéticos, ou poemas animados, como prefiro. Aliás, um adendo: sei que vira-latas se grafa com hífen (o abelhudo corretor do Windows, inclusive, acabou de me corrigir), mas acho desnecessário. Gosto mais da beleza do desenho da palavra grafada sem hífen: viralatas. Tenho minhas idiossincrasias e, às vezes, elas me pedem que desrespeite a própria língua.
Artur Gomes - Qual poema escreveu quando teve uma pedra no meio do caminho?
Ademir Assunção - Este, por exemplo, publicado em um dos meus livros mais recentes, Risca Faca:
UM IDIOTA NO MEIO DO CAMINHO
não havia uma pedra no meio do caminho
havia um idiota completo com seu olor de ódio
um idiota completo que relinchava
— sem a elegância dos cavalos
um idiota completo com seu fedor de coisa pútrida
babando bílis, bebendo pus, peidando, defecando
sobre bandeiras verdes sem matas
sobre bandeiras azuis de céus sufocantes
sobre bandeiras amarelas de raiva
sobre bandeiras brancas manchadas de sangue
um idiota completo regurgitando e resfolegando
violência, tortura, ameaças, assassinatos
um idiota completo e mentiroso com seu pau hasteado
numa selva escura e sem saída, sem onça-pintada
sem lobo-guará, sem tatu-peba, sem rola-bosta
um idiota completo que berra nos ouvidos de madalena
eu não te estupro porque você é feia!
meu filho não te come porque você é preta!
um führerzinho mal ajambrado em talho tosco
gritando morte aos veados! morte aos vermelhos!
morte aos que ouvem essa música barulhenta!
morte aos montes! morte em marte! marche! marche!
e a turba trevosa e tenebrosa entra em transe
e afia as facas e estala as esporas e engatilha as armas
revelando às crianças uma face dura e rude
sem leveza, sem beleza, sem delicadeza alguma
um idiota tão maligno e digno de pena
que nem vale o esforço de um poema
Artur Gomes - Revisitando Quintana: você acha que depois dessa crise virótica pandêmica, quem passará e quem passarinho?
Ademir Assunção - Lamento profundamente os que se foram por conta da pandemia, inclusive alguns amigos. Muitas mortes poderiam ter sido evitadas se não tivéssemos um demente tão despreparado no comando do país, cercado de delinquentes igualmente despreparados, exceto para pilhar, destruir e odiar tudo o que está em volta. Acho que essas almas sebosas passarão, mas certamente virão outras para substituí-las. Os que souberam ouvir e perceber o que os tempos estão dizendo, cada vez com mais intensidade, esses passarinhos.
Artur Gomes – No prefácio do livro Pátria A(r)mada o poeta e jornalista Ademir Assunção, afirma que cada poeta tem a sua tribo, de onde ele trás as suas referências. Você de onde vem, qual é a sua tribo?
Ademir Assunção - Minha tribo é a dos poetas aimorés punks zen.
Artur Gomes - Nos dias atuais o que é ser um poeta, militante de poesia?
Ademir Assunção - Não sei dizer. Mas gosto de pensar que é importante estar com as antenas o mais altas possível e os pés bem enraizadas no chão, no barro do chão, de onde nasce o baião.
Artur Gomes - Que pergunta não fiz que você gostaria de responder?
Ademir Assunção - Por que tantos humanos parecem pálidos fantasmas? Porque não sabem ouvir a música da Terra girando em torno de si mesma e em torno do sol.
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Artur Gomes
O Homem Com A Flor Na Boca
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