terça-feira, 12 de outubro de 2021

o ator

 

aos quintos

dos infernos

para a louca dos/mares

 

como bispo do Reino de Zeus

eu vos decreto:

livre-se do Cristo

que você trepou na goiabeira

 

e me devolva a Curuminha

que você roubou na sexta-feira

 

se não tens instintos maternos

eu te despacho

para os quintos dos infernos

 

Pastor de Andrade

www.porradalirica.blogspot.com




Jura secreta 30

 

afora em mim grafitemas

nenhuma figuralidade

frutas legumes verduras

quem cala a fala consente

houve um tempo que a dita/dura

calou a fala da gente

 

grafito em tua carne de pedra

medusa de sete patas

poema de sete cabeças

miragens do amor que enlouqueça

apóstolos na santa ceia

Miró brincando de circo

com os olhos na lua cheia

 

Artur Gomes

do livro Juras Secretas

Editora Penalux - 2018

www.secretasjuras.blogspot.com 



o couro

está lanhado de chicote

na pele a cicatriz

radioativa

a alma está sangrando

em carne viva


                                lençóis de renda

 

poderia abrir teu corpo

com os meus dentes

rasgar panos e sedas

 

da tua cama arrancar os cobertores

desatar todos os nós

com as unhas

 arranhar os teus pudores

rasgando as rendas dos lençóis

 

perpetuar a ferro e fogo

minhas marcas no teu útero

meus desejos imorais

 

maldizendo a hora soberana

com a força sobre-humana dos mortais

quando vens me oferecer migalha e fruto

como quem dá de comer aos animais

 

Artur Gomes

Couro Cru & Carne Viva – 1987

www.suorecio.blogspot.com

 

o que Isadora me diz

quando musa em meu poema

apenas lê em silêncio, muda

ou se transnuda em sua casa

e me devora

como um pássaro cria asas

e voa pelo litoral de Ipanema?

 

 

somos pássaros longe do ninho

nem precisa explicar

 o que significa

esta manhã tão cinza debaixo

deste céu azul onde Dionísio

descartou todas as Heras

e ainda bebe  sua última taça

de vinho desejando meu corpo

em seu altar de sangrações

                         na primavera

 

Gigi Mocidade

www.braziliricapereira.blogspot.com  

 

 o poema fala do teu corpo

como se o tocasse

o reconhecesse em cada verso

cada palavra que sai da boca

como um canto bíblico

ou um louvor profano

no poema o corpo

 não tem panos

que lhe escondam a pele

é um peixe que flutua

 em águas calmas

é um pássaro que atravessa

nuvens cinzas

um barco em alto mar

de tempestades

um poeta que se transmuta em poesia

 

em san francisco do itabapoana

onde a vida é sagarana

mato um leão toda semana

pra me descartar da engrenagem

não assovio chupando cana

porque isso é só sagarangem

 

o poeta - uma peste

ele sempre despe a musa

da blusa que ela veste

 

quantas vezes eros

lambuzou os nosso dedos


O Ator

Plinio Marcos

Por mais que as cruentas e inglórias batalhas do cotidiano tornem um homem duro ou cínico o bastante para fazê-lo indiferente às desgraças e alegrias coletivas, sempre haverá no seu coração, por minúsculo que seja, um recanto suave no qual ele guarda ecos dos sons de algum momento de amor que viveu em sua vida.

Bendito seja quem souber dirigir-se a esse homem que se deixou endurecer, de forma a atingi-lo no pequeno núcleo macio de sua sensibilidade, e por aí despertá-lo, tirá-lo da apatia, essa grotesca forma de autodestruição a que, por desencanto ou medo, se sujeita, e por aí inquietá-lo e comovê-lo para as lutas comuns da libertação.

Os atores têm esse dom. Eles têm o talento de atingir as pessoas nos pontos nos quais não existem defesas. Os atores, eles, e não os diretores e os autores, têm esse dom. Por isso o artista do teatro é o ator.

O público vai ao teatro por causa dos atores. O autor de teatro é bom na medida em que escreve peças que dão margem a grandes interpretações dos atores. Mas, o ator tem que se conscientizar de que é um cristo da humanidade e que seu talento é muito mais uma condenação do que uma dádiva.

O ator tem que saber que, para ser um ator de verdade, vai ter que fazer mil e uma renúncias, mil e um sacrifícios. É preciso que o ator tenha muita coragem, muita humildade, e sobretudo um transbordamento de amor fraterno para abdicar da própria personalidade em favor da personalidade de seus personagens, com a única finalidade de fazer a sociedade entender que o ser humano não tem instintos e sensibilidade padronizados, como os hipócritas com seus códigos de ética pretendem.

Eu amo os atores nas suas alucinantes variações de humor, nas suas crises de euforia ou depressão. Amo o ator no desespero de sua insegurança, quando ele, como viajor solitário, sem a bússola da fé ou da ideologia, é obrigado a vagar pelos labirintos de sua mente, procurando no seu mais secreto íntimo afinidades com as distorções de caráter que seu personagem tem. E amo muito mais o ator quando, depois de tantos martírios, surge no palco com segurança, emprestando seu corpo, sua voz, sua alma, sua sensibilidade para expor sem nenhuma reserva toda a fragilidade do ser humano reprimido, violentado.

Eu amo o ator que se empresta inteiro para expor para a platéia os aleijões da alma humana, com a única finalidade de que seu público se compreenda, se fortaleça e caminhe no rumo de um mundo melhor, que tem que ser construído pela harmonia e pelo amor.

Eu amo os atores que sabem que a única recompensa que podem ter – não é o dinheiro, não são os aplausos - é a esperança de poder rir todos os risos e chorar todos os prantos. Eu amo os atores que sabem que no palco cada palavra e cada gesto são efêmeros e que nada registra nem documenta sua grandeza. Amo os atores e por eles amo o teatro e sei que é por eles que o teatro é eterno e que jamais será superado por qualquer arte que tenha que se valer da técnica mecânica. (1986)

 



Artur Gomes

FULINAIMAGEM

www.fulinaimagens.blogspot.com

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