aos quintos
dos infernos
para a louca dos/mares
como bispo do Reino de Zeus
eu vos decreto:
livre-se do Cristo
que você trepou na goiabeira
e me devolva a Curuminha
que você roubou na sexta-feira
se não tens instintos maternos
eu te despacho
para os quintos dos infernos
Pastor de Andrade
www.porradalirica.blogspot.com
Jura secreta 30
afora em mim grafitemas
nenhuma figuralidade
frutas legumes verduras
quem cala a fala consente
houve um tempo que a dita/dura
calou a fala da gente
grafito em tua carne de pedra
medusa de sete patas
poema de sete cabeças
miragens do amor que enlouqueça
apóstolos na santa ceia
Miró brincando de circo
com os olhos na lua cheia
Artur Gomes
do livro Juras Secretas
Editora Penalux - 2018
www.secretasjuras.blogspot.com
o couro
está lanhado de chicote
na pele a cicatriz
radioativa
a alma está sangrando
em carne viva
lençóis de renda
poderia abrir teu corpo
com os meus dentes
rasgar panos e sedas
da tua cama arrancar os cobertores
desatar todos os nós
com as unhas
arranhar os teus pudores
rasgando as rendas dos lençóis
perpetuar a ferro e fogo
minhas marcas no teu útero
meus desejos imorais
maldizendo a hora soberana
com a força sobre-humana dos mortais
quando vens me oferecer migalha e
fruto
como quem dá de comer aos animais
Artur Gomes
Couro Cru & Carne Viva – 1987
o que Isadora me diz
quando musa em meu poema
apenas lê em silêncio, muda
ou se transnuda em sua casa
e me devora
como um pássaro cria asas
e voa pelo litoral de Ipanema?
somos pássaros longe do ninho
nem precisa explicar
o que significa
esta manhã tão cinza debaixo
deste céu azul onde Dionísio
descartou todas as Heras
e ainda bebe sua última taça
de vinho desejando meu corpo
em seu altar de sangrações
na primavera
Gigi Mocidade
www.braziliricapereira.blogspot.com
como se o tocasse
o reconhecesse em cada verso
cada palavra que sai da boca
como um canto bíblico
ou um louvor profano
no poema o corpo
não tem panos
que lhe escondam a pele
é um peixe que flutua
em águas calmas
é um pássaro que atravessa
nuvens cinzas
um barco em alto mar
de tempestades
um poeta que se transmuta em poesia
em san francisco do itabapoana
onde a vida é sagarana
mato um leão toda semana
pra me descartar da engrenagem
não assovio chupando cana
porque isso é só sagarangem
o poeta - uma peste
ele sempre despe a musa
da blusa que ela veste
quantas vezes eros
lambuzou os nosso dedos
O Ator
Por mais que as cruentas e inglórias batalhas do cotidiano tornem um homem duro ou cínico o bastante para fazê-lo indiferente às desgraças e alegrias coletivas, sempre haverá no seu coração, por minúsculo que seja, um recanto suave no qual ele guarda ecos dos sons de algum momento de amor que viveu em sua vida.
Bendito seja quem souber dirigir-se a esse homem que se deixou endurecer, de forma a atingi-lo no pequeno núcleo macio de sua sensibilidade, e por aí despertá-lo, tirá-lo da apatia, essa grotesca forma de autodestruição a que, por desencanto ou medo, se sujeita, e por aí inquietá-lo e comovê-lo para as lutas comuns da libertação.
Os atores têm esse dom. Eles têm o talento de atingir as pessoas nos pontos nos quais não existem defesas. Os atores, eles, e não os diretores e os autores, têm esse dom. Por isso o artista do teatro é o ator.
O público vai ao teatro por causa dos atores. O autor de teatro é bom na medida em que escreve peças que dão margem a grandes interpretações dos atores. Mas, o ator tem que se conscientizar de que é um cristo da humanidade e que seu talento é muito mais uma condenação do que uma dádiva.
O ator tem que saber que, para ser um ator de verdade, vai ter que fazer mil e uma renúncias, mil e um sacrifícios. É preciso que o ator tenha muita coragem, muita humildade, e sobretudo um transbordamento de amor fraterno para abdicar da própria personalidade em favor da personalidade de seus personagens, com a única finalidade de fazer a sociedade entender que o ser humano não tem instintos e sensibilidade padronizados, como os hipócritas com seus códigos de ética pretendem.
Eu amo os atores nas suas alucinantes variações de humor, nas suas crises de euforia ou depressão. Amo o ator no desespero de sua insegurança, quando ele, como viajor solitário, sem a bússola da fé ou da ideologia, é obrigado a vagar pelos labirintos de sua mente, procurando no seu mais secreto íntimo afinidades com as distorções de caráter que seu personagem tem. E amo muito mais o ator quando, depois de tantos martírios, surge no palco com segurança, emprestando seu corpo, sua voz, sua alma, sua sensibilidade para expor sem nenhuma reserva toda a fragilidade do ser humano reprimido, violentado.
Eu amo o ator que se empresta inteiro para expor para a platéia os aleijões da alma humana, com a única finalidade de que seu público se compreenda, se fortaleça e caminhe no rumo de um mundo melhor, que tem que ser construído pela harmonia e pelo amor.
Eu amo os atores que sabem que a única recompensa que podem ter – não é o dinheiro, não são os aplausos - é a esperança de poder rir todos os risos e chorar todos os prantos. Eu amo os atores que sabem que no palco cada palavra e cada gesto são efêmeros e que nada registra nem documenta sua grandeza. Amo os atores e por eles amo o teatro e sei que é por eles que o teatro é eterno e que jamais será superado por qualquer arte que tenha que se valer da técnica mecânica. (1986)
Artur Gomes
FULINAIMAGEM
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