segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

coletânea poetas vivos



queima de arquivo

 

o que daqui se desenrola:
fio tenso
p___a___v___i___o
até a dinamite
do passado
perdida num século
explosivo por si
mesmo, combustível
fóssil da memória
que abre
a brecha
no lacre dos
calendários por
onde os estilhaços
passam
até atingir
e incinerar
a carne do seu
pensamento, ferida
que lateja quando reflete
a própria imagem
em sua contra-
face, a paisagem,
escombro.

 

Nuno Rau

fonte: https://revistaacrobata.com.br/demetrios/poesia/4-poemas-de-nuno-rau


 autorretrato com colar de espinhos e colibri
[sil guimarães]


carmem madalena flor hermafrodita
mulher e amásia de joão estanislau
pintor de paredes vizinho de barraco
na favela da ventosa belzonte mg
portador de moléstia séria:
furor nos testículos oh carma meu

carmencita carmita carmamarga
madrasta de seis sobrinhos aflitos
dos mamilos apodrecidos
do útero-deserto-áspero
da alma imutável hematoma
do corpocarneviva carmim

desenganada pelo médico do posto de saúde
abro os olhos afasto borboletas e mariposas
yo soy frita: o amor avis rara passou
sem remédio que cure mi obsesión [ser el única]
só a passagem de ida para o ceará: jericoacora
"espero que la marcha sea feliz y espero no volver"


[ imagem camila fontenele de miranda ]




                       “Se eu te encontrar, mulher/e me comeres."

Romério Rômulo



De Clarice a Drummond

 

Não há remédio para a dor da vida

Nem emplastro para melancolia

Tudo se revela, mesmo à revelia

Inútil esconder o que todos já sabiam

sob o sol que se encolhe sobre a areia

Sob a lua que penetra a maresia

 

De Clarice a Drummond

A prosa não enxerga a poesia

 

Sob os risos, sob o brilho dos olhares

Há muita solidão se embriagando

Toda alegria que exibes pelos bares

untada sobre a canga à beira-mar

É máscara, é máscara, é máscara

Sobre a cara má que queres ocultar.

 

De Clarice a Drummond

A prosa não enxerga a poesia

 

Eu sei, minha princesa, não me enganas

És como o cheiro ruim de creolina

Ao rés do chão, aos pés dos edifícios

Onde o mendigo deita a sua urina

À noite, ao relento, sob o frio

Alheio à Momo e toda purpurina.

 

De Clarice a Drummond

A prosa não enxerga a poesia

 

És como aquela velha que lamenta

A vida que perdeu na Estudantina

Como o pivete que já não se aguenta

De fome, de pancada, a sua sina

Eu sei, ó princesinha, a chapa esquenta

Atrás de ti, concreta e vil cortina.

 

De Clarice a Drummond

A prosa não enxerga a poesia

 

Bacana é a face que apresentas

De sol, de mar, de samba e de alegria

Mas meu coração não se contenta

Com a capa de aparência que te guia

E quando me despeço de Clarice

e busco no outro lado a poesia

eu vejo o quanto choras, em silêncio,

banhada pela tua espuma fria

 

Leonardo Almeida Filho (LAF)



Não

não serei o último poeta

alemão – como foi Brecht

Não serei nem mesmo

o último poeta – eu

que sequer sou alemão

Eu sou apenas

um corpo perdido

no meio na multidão –

quem sabe um dia

outros peixes vão formar

junto comigo

um tubarão

 

Bernardo Caldeira



a página marinha [excerto]

“e enquanto você lê/ o mar está virando suas
páginas escuras,/ virando/ suas páginas escuras”
Denise Levertov

~ /quatro ~

~ ( o labirinto intramarino ~ tremeluzindo
espelhos vivos ~ de vincos cor de vinho
~ murmúrios / marulho ) ~ o mar possui cristas
dorsais, que eriça ~ seus ladrilhos são
incorpóreos menires sob a fossa abissal ~
há cariátides de cristal decorando os
recônditos de seu salão principal ~ ( iemojah,
rainha dos redemoinhos ~ iemanjá manejando jangadas
na encruzilhada das águas) ~ há um pomar esquecido,
de astrolábios outrora dourados, agora tão
corroídos ~ náufraga morada dos astros ~ de uma
mínima astronomia de ostras / se estrelas-marinhas
são sóis irrisórios ~ nebulosas mergulham / e
polvos retorcem seus tentáculos constelares ) ~

penhasco

assoalho visitado às bordas do fiorde
suas escarpas de basalto | o espaço
entre o ar e o mar embaixo que quase
julgaríamos raso | hirtas suas afiadas
bordas | símiles às de uma faca
árabe ( arqueada ( cimitarra
| o que as navalhas da erosão
erigem é este grupo de rochedos
pouco a pouco sendo degolado
assim o penhasco largo | vasto:
ponto turístico para narcisos
e suicidas | amplo plenário de
pedra d’onde se observa o sol
nascer | ou se pôr | platô sólido
observatório possível | existe
essa muralha terrena | pesaroso
mármore erguido| lugar de uma
solidão extrema | avizinhando o
mar triste a esse chão de limites

 

Alexandre Guarnieri

fonte: https://revistagueto.com/2018/09/13/cinco-poemas-de-alexandre-guarnieri/



Oroborus

 

Ao meio dia um galo branco cantou

em minha janela

nesse instante fiquei a pensar na palavra deus e se ao meu modo creio o mundo é feito de palavras

esse deus pertence a quem o escreve

e a quem lhe inventa o momento primeiro

e lhe dá forma e lhe diz do derradeiro

esse canto ao meio dia desse dia

em que eu assim como o galo

desaprendi a língua dos relógios

me fez lembrar de que eu esqueci o nome dos dias e dos meses

e me fez querer desinventar este ano que termina na palavra vinte

e me fez pensar na palavra deus

e no desejo de caminhar no rastro do começo

lá onde tudo era nu e sem nome

no chão do princípio onde irrompe a luz

na dobra do que nem era tempo

na quebra do silêncio

acordei hoje ao canto desse galo branco

ao meio desse dia de palavra calendária inventada e escrita pelo humano

e fiquei a pensar que tudo que sabemos

é o tudo que lembramos

ou é o tudo que lembraram por nós

assim sabemos quando lembramos do salmo escrito por um ancião que nem nasceu

ou lembramos de um continente que já foi mar ou lembramos da corredeira de um rio que já secou ou lembramos de uma língua que já morreu

um galo branco em minha janela cantou

me acordou e me fez pensar na palavra deus

e na palavra tempo

esse tempo-deus uma palavra

escrita em linhas de sombras

esse deus erguido e fechado em oroborus palavra que vinga – retorna e nos aprisiona no tempo do sem fim

dessa aldeia circunscrita ao verbo

 

Wanda Monteiro



quanto mais me re-par-to

muito mais me mul-ti-pli-co

 

pastor de andrade

fedeika lispector

gigi mocidade

federico Baudelaire

rúbia querubim

federika bezerra 

eugênio mallarè

 

parabolicamará minha antena parabólica fio terra para minhas intervenções intragaláticas nas multi-i-transversais relações humanas para o planeta que virá

 

Artur Gomes

o criador das mutltitransações fulinaímicas

www.fulinaimagens.blogspot.com



PoÉticas ArturiAnas

 


 

TROPICALIRISMO

 

GIRAssóis pousando

nu teu corpo: festa

beija-flor seresta

poesia fosse

 

esse sol que emana

no teu fogo farto

lambuzando a uva

de saliva doce

 

MAGIA

 

quando meto pés

em tuas matas

 

selvagem índio

pássaro animal

 

devasto céus sem ter limites

com poesia sobrenatural

 

OVERDOSE NU VERMELHO

 

retesar as cores

e os músculos

com os dedos agarrados no pincel

 

se faltar carne

para roçar os óvulos

a gente jorra tinta no papel

 

BR – 101

 

ah! meu amor

não te esqueci

ainda procriando no meu corpo

os micróbios do teu sangue

                              enlouqueci

 

GENITAL

 

pasto no cosmo

a soja secular de jardinópolis

onde os discos-voadores

sobrevoam meu nariz

na cara das metrópoles

 

no centro ao sul

os cemitérios

possuem mais mistérios

que a nossa vã filosofia

 

tem um animal de vagina espacial

na poesia

                &

                   e um grande pênis roxo

milenar

             feito aspiral em círculo

preparando imenso orgasmo

pra festejar o fim do século

 

Artur Gomes

www.fulinaimagens.blogspot.com 




NAÇÃO GOITACÁ

www.fulinaimargem.blogspot.com

sábado, 26 de fevereiro de 2022

coletânea - poetas vivos - Hugo Pontes

 

Hugo Pontes ao lado de Ademir Bacca - 
Congresso Brasileiro de Poesia - Bento Gonçalves-RS
foto: Artur Gomes 

ENTRE ÁGUAS

 

Dos rios

da vida

lembro-me com saudade.

 

Saúde, meu rio Verde.

Grande, Araguaia,

Sena e Pardo.

 

E o pequeno

Ribeirão do Doido?

que leva as águas

ao agricultor de estrelas,

e ao pescador de sonhos.


MITOLOGIA

 

No passado,

num reino próximo,

dois bois centauros

sentaram  

para conversar

e

cultivar amizade.

 

Dois centauros,

bois centauros

hoje

não valem centavos.




 LOTERIA

 

Anti-povo

anti-ovo

 

no xis

os ais

 

bolso menos,

oco mais.

 



 CONSTATAÇÃO

 

Banqueiro

   não rima

   com poeta.

 

   Aquele

Conta dinheiro,

   Este canta

   É esteta.

 

 



SEM PALAVRAS

 

Para não dizer

que não falei de flores

 

Coloco uma rosa

no poema,

 

Mas os espinhos

ficam no coração




 VELHO CHICO

 

O

Rio

São Francisco

não cabe

no corpo

da terra

 

não cabe

no corpo

de Minas

 

não cabe

no corpo

do homem

 

mas cabe

no coração.




 CRÍTICA

 

Decidido:

 

Nem crítico,

  nem poeta.

 

Um esteta.




 VERDE RIO VERDE

 

Rio Verde

de meu primeiro banho.

 

Águas da minha sede,

Peixes da minha fome.

 

Rio

meu mar

da infância.

 

Morres lento,

na morte dos meus sonhos.




 EMPÓRIO

 

Poemas são linhas

empilhadas como mercadoria

nas prateleiras da vida.

 

Poemas,

quem há de comprá-los?

 

Mercadoria tão rara,

tão cara

aos olhos de quem a fez.

 

Poemas,

quem se dispõe encontrá-los?

 

 VULCÃO

 

Os mortos não,

os mortos são

mais os mortos

da minha vida.

 

A lava do vulcão

não traz a fertilidade

mas faz um sulco

e marca

o coração do homem.

 

PASTOREAR

 

Subir a montanha

e guardar o rebanho

a fogo e ferro.

 

Salgar o rebanho

em rastro de terra

e palmo de pedra.

 

Subir a montanha

e pastar a palma nativa

e regar a areia

e criar o limo.

 

Subir a montanha

colher e comer a pedra

em vinagre e sal.

 

Hugo Pontes

https://www.facebook.com/hugo.pontes.735

 

Hugo Pontes – Poemas Visuais e Poesias

 A ousadia do experimentalismo poético não estacionou no Concretismo. As experiências prosseguiram e continuam até nossos dias com resultados surpreendentes. A partir da década de 70, no Brasil, os poetas visuais surgem timidamente, promovendo as suas primeiras exposições e publicações alternativas.

Com o passar do tempo, inúmeros adeptos se integram ao movimento do poema visual e cada um manifesta a sua arte utilizando-se dos recursos mais variados: xerografia, computador, holografia, vídeo, cartazes impressos, laser, cartões postais, selos e carimbos.

 fonte: - https://www.amazon.com.br/Hugo-Pontes/e/B094K1C2WT%3Fref=dbs_a_mng_rwt_scns_share



HUGO PONTES é natural de Três Corações-MG onde nasceu a 22 de julho de 1945.

 É formado em Letras/ Língua Portuguesa e Língua Francesa e Respectivas Literaturas. Tem especialização em Literatura Brasileira. Professor na Universidade de Alfenas, Campus de Poços de Caldas; Supervisor Pedagógico da Prefeitura Municipal de Poços de Caldas.

 Com relação às atividades literárias, vem desenvolvendo estudos relativos ao poema visual e a pesquisa sobre memória histórica. É um dos pioneiros na arte xerox no Brasil. Já publicou cerca de 20 livros.

 Edita, em Poços de Caldas para o Jornal da Cidade, a página - ComunicARTE, única na imprensa brasileira que divulga o poema visual, há 15 anos. Há 10 anos tem o sítio dedicado ao poema visual www.poemavisual.com.br

 Participou ativamente da Mostra Visual de Poesia Brasileira – projeto idealizado por Artur Gomes realizado de 1983 a 1994

 


Pátria A(r)mada

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