segunda-feira, 4 de outubro de 2021

poéticas sagradas e secretas

 




nem sei mais a quantas anda

esse meu sonho indivisível

de não me entregar a nada

 

Federico Baudelaire

www.fulinaimagens.blogspot.com

 



“não discuto com o destino

         o que pintar eu assino”

 

Paulo Leminski

 

 

antropofágica

quero te comer Mariana te levar de Piracicaba para as marés de andaluzia salgar tua carne doce com o sal da maresia  com o desejo que tenho de devorar-te comeria até as tripas mas como carne humana é muito é muito doe  vamos tomar  banho de mar para salgar a pele e assim vou te mastigar  até lamber teus ossos

Federika Lispector

www.secretasjuras.blogspot.com

 

Leitura

 não leio para seguir a risca a escrita do que leio. minha língua não tem freios. leio para desconstruir as estruturas carcomidas que ainda servem de base e alicerce para sustentar os discursos dos conservadores de plantão. leio para correr o risco. leio para tirar do olho o cisco que embaça. leio para fragmentar palavras e reconstruir o alfabeto gasto. porcelana não quer dizer riqueza. escalar o cume da palavra sagaranicamente e colher o fruto que brotar do formigueiro.

 

EcoLógica

 hoje não quero saber de multidão barulho ruído alvoroço. Troquei gritos gargalhadas por silêncio. Quero apenas ouvir pedrinhas conchas mariscos caramujos. Correr o risco de descobrir o por quê das algas deixarem seu berçário natural em Fernando de Noronha e virem apodrecer aqui no litoral de São Francisco de Itbapoana essa cidade lixo. ?

 

o imprevisível

não gosto dessa coisa cotidiana aos olhos de um deus dará quando a coisa é profana atravessa as fronteiras das normalidades previsíveis e rasga o verbo no corpo da palavra que nada mais significa num tempo em que os ponteiros do relógio precisam ser trocados eu tenho pressa e não tenho tempo para esperar o que preciso


patafísica

 o tempo escorre em nossas veias o suor no corpo à flor da pele por todos os poros vaza água de sal nem sempre lágrimas podem acalmar os músculos entre ossos por muito pouco as vezes o desespero nos leva ao desalento do desassossego quando leio Fernando Arrabal quase enlouqueço me provoca muito mais do que Pessoa a patafísica é universo do desconhecido trago na carne a cicatriz de um outro tempo Diadorim no grande SerTão das minas de Manhuassu em São Sebastião do Sacramento

 

a flor da boca

 ficamos duas horas em frente a casa velha Aline perseguia os pássaros e eu comia o vento que passeava entre a pele eriçando os pelos ela me falou do prazer que ainda não tinha vivido e me mostrou a flor da boca tinha gosto de saudade o tempo da escrita e tudo que ali fizemos

 

na boca da barra

na boca da barra desdentada a barra perdeu os dentes o vento sopra em outra direção peixes/aves morrem intoxicado(a)s na borra da barra essa porra está há muito tempo contaminada desde o século da besta come vento menina come vento é muito mais meta-físico nesses tempos comer vento do que comer chocolate na chuva tóxica sobre areia atômica se não bastasse o vampiro ainda concede incentivo aos produtores de agrotóxico para fuder tudo de uma vez mostrando ser descaradamente o pau mandado dos senhores do agronegócio

 

 estética da linguagem

 as vezes penso e me deprime o que não faço quando espetar a faca em teu umbigo e rasgar com os dentes teus lençóis de seda arrancar da cama os cobertores desatar todos os nós com as unhas arranhar os teus pudores perpetuando a ferro e fogo minhas marcas no teu útero meus desejos imorais maldizendo a hora soberana com a força sobre/humana dos mortais quando vens me oferecer migalha e fruto como quem dá de comer aos animais

 

eu sou Umbanda

 veja bem meu bem o beijo que não me deste

era gelado e derreteu teu evangelho um sacrilégio

de um mitológico Prometeu não gosto da palavra doce prefiro salamargo pra desintoxicar o fígado o sabor da minha língua é azeite sal pimenta se não agüenta sarta de banda eu sou Umbanda vou pro terreiro de Oxossi sacramentar o meu amor bater macumba na quimbanda e saravá Xangô

 

Federika Lispector

eu não sou santa

 

 Metáfora Carnavalesca 2


Quando penetrei teus Montes Claros havia um aviso na porta de entrada: Cuidado frágil. - sem perceber já tinha entrado e meu céu da boca já estava completamente tomado de espinhos de piqui

 

Poética

 

o que tem essa mulher que me delira

o que tem essa mulher que me deleita

o que tem essa mulher que me provoca

o que tem essa mulher que me estreita

o que tem essa mulher que me espreita

leoa na selva que me caça

ou uma grande mulher quando se toca

 

Federika Lispector

Poéticas

 

 poética

 

bebendo esse tinto chileno

o espírito fica suspenso

o corpo embriagado

mexe com meus instintos

os cinco sentidos intensos

cada qual com o seu desejo

no corpo tudo é segredo

na alma tudo é sagrado

no copo o gosto do beijo

o amor é segredo guardado

 

Federico Baudelaire

Poéticas



                Jura secreta 18


te beijo vestida de nua

somente a lua te espelha

nesta lagoa vermelha

porto alegre caís do porto

barcos navios no teu corpo

os peixes brincam no teu cio

nus teus seios minhas mãos

as rendas finas que vestias

sobre os teus pêlos ficção

todos os laços dos tecidos

aquela cor do teu vestido

a pura pele agora é roupa

o sabor da tua língua

o batom da tua boca

tudo antes só promessa

agora hóstia entre os meus dentes

e para espanto dos decentes

te levo ao ato consagrado

se te despir for só pecado

é só pecar que me interessa

 

 Artur Gomes

do livro Juras Secretas

Editora Penalux 2018

disponível para compra em

www.editorapenalux/loja/juras-secretas




 Artur Gomes

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