O RETORNO DE BILLY NEGÃO
Billy Negão é uma garota
Sem juízo nenhum
Foi amiga do Cazuza, trampava na
noite
Jogava seu charme para qualquer um
Mas nunca hesitava, puxava a navalha
Botava otário pra correr
Sob a lua de neon, o sangue escorria
Nas sarjetas do baixo Leblon
Billy Negão é um perigo
Uma bandida, um avião
Uma boneca vadia
Se vira sem nenhum tostão
Billy desfila na passarela
dos malandros lá da Lapa
Reza na igreja dos loucos
E toda noite vai dormir chapada
Mas não marca bobeira, desvia das
balas
Não vacila com a milícia
Sai da mira, enrola um beque, dá uma
bola
Embola reggae com embolada
Billy Negão não quer treta com
ninguém
Mas também não diz amém
Pra pastor ou impostor
Descolada, não suporta parasita
Não dá trela pra fascista
Sai no braço se alguém trisca
Na escola da vida ela é passista
Chama exu e tranca-rua
Bebe pinga e risca à faca
Chupa charuto, não aguenta desaforo
Solta densa baforada
Faz um talho no babaca
Billy só quer viver em paz
Se é homem ou mulher
Que diferença faz?
Billy Negão é um perigo
Uma bandida, um avião
Uma boneca vadia
Se vira sem nenhum tostão
Billy Negão é uma flor
Cheia de dengo e de malícia
Não se entrega pra polícia
Só se entrega por amor
*****
Quiser ver e ouvir como este poema
fica num ska suingado, com metaleira de responsa (trombone, trompete e sax),
venha ver o show Buena Onda Reggae Club e Ademir Assunção na sexta-feira (11),
às 21h, Sesc Avenida Paulista.
A tarde debruça
cálida sobre mim
e meus fantasmas
A noite dormita
e sonha no crepúsculo
as estrelas da manhã
O etéreo divaga
na madrugada risível
e chuvosa
Nalgum lugar
um grito esganiçado
desperta meu delírio
Dudu Galisa
O
POETA E OS TOMATES
Todos imaginam a vida do poeta
como algo agradável e nobre:
desfrutar dias e noites em versos,
preocupar-se com cigarras ou pássaros,
enquanto — silenciosamente — a guerra se instala
ou a inflação engole tomates.
Acreditam que o poeta subsista de sonhos
e devora suas próprias nuvens
para não sucumbir à fome.
Mas aqui está um espécime não espectral
pouco conhecedor das razões poéticas
e versado mais em tomates que métricas.
Contrariando românticos,
põe-se a teclar afundado em cálculos e prazos,
passa camisas, cozinha restos como ninguém,
e a última coisa que lhe bate à porta
seja — talvez — o poema,
porque os tomates são mais necessários
e seguem caros demais;
porque a poesia dorme em cama macia
enquanto o poeta entorta suas costas
sobre mortalha de madeira.
Mas lá fora acreditam no poeta mítico
a consumir cafés, cigarros, broas;
a observar calado pelas janelas o progresso.
Não sou um poeta, portanto.
Esse suspenso, claro, imaterial.
Sou próximo das calçadas.
Recolho as cortinas para que a luz não ofusque
e o expediente satisfaça o engenho,
porque é preciso correr contra as manhãs e noites;
porque é preciso alcançar os tomates tão caros
e pouco suculentos.
O que sobrar do homem ao final da semana
será da poesia.
Caberá a ela erguer das ruínas
horizonte que valha contemplação.
Angel Cabeza
"duração"
homens morrem no campo feito água de
chuva
a partir disso todas as rotinas são a
mesma
um homem começa a ler o jornal pela
folha
de falecimentos ao lado dos
classificados
para saber se perdeu mais um amigo no
dia
para pedir à mulher que separe a sua
camisa
branca um corte de tecido a imitar um
lenço
umas calças de tergal e os únicos mocassins
agarra num terço e numa fotografia de
gaveta
pára a meio do corredor maldizendo a
chegada
dos jornais ao campo maldizendo as
notícias
a galoparem tão mais velozes do que o
campo
fecha a porta atrás dele e chora
antes de ir
fungando como quem precisa adiar a
tristeza
como quem precisa estar rijo e seco e
pronto
o homem do campo lamenta a perda dos
seus
sempre longe: o seu choro dura uma
eternidade
atrás dos pés de café, atrás dos pés
de limão.
CRITÉRIOS DA SAUDADE
Há uma saudade feito lâmina
que, além da alma,
também dilacera o corpo,
escancarando dores desconhecidas.
Outra saudade divisora de sentidos
é aquela que se pendura, aleatória,
muitas vezes
constrangida,
entre fios tênues de um olhar perdido
à procura dos já findos:
um alguém, um desejo, uma sede, um
resquício.
Há aquelas bem mais urgentes,
necessárias, mas incoerentes,
nas ranhuras que se desenham -
repentinas - entre as unhas
a demarcar terrenos improváveis ao
desmantelo do coração.
Ainda suplicam saudades outras
- bem distantes -
teimosas, itinerantes, quase
peregrinas,
que se vão como em fases,
que ora trazem de volta alguma de
suas faces,
ora fogem sorrateiras nas lonjuras
escuras do inconsciente.
De todas elas
tenho afeição primeira
por uma saudade ainda sem
classificação:
gosto mesmo da saudade que se derrama
entre uma de mim que já fui
e aquela que sonhei.
Nic Cardeal
11.03.2022
imagem do Pinterest:
(Do livro TESTAMENTO DE VENTO)
FRONTEIRA
Na sala de espera do Centro de Doença
de Alzheimer e Parkinson estávamos
eu,
José, de 58 anos, vítima de
esquizofrenia
e distúrbios neurológicos; dona
Olivia, 75 anos,
parksoniana e Pedro, 48 anos, refém
do Alzheimer.
Sabíamos um do outro, mas não nos
olhávamos,
como se fôssemos irmãos de uma seita
secreta,
o silêncio e o alheamento era nosso
código
de comunicação. Não havia o que
falar.
Palavras são lâminas, por natureza,
se não, domadas.
O olhar comum de desassossego era uma
carta náutica
para velhos marinheiros do mar alto,
que pouco se viam, mas que se
reconheciam no
vastíssimo oceano da dor.
Nossos acompanhantes tricotavam
experiências
e as últimas cenas da novela da 9h.
Alguns de nós, acompanhados, sabíamos
de nossa
condição de fronteiriços,
tínhamos um pé na lucidez e o outro
no território do delírio.
O coração se aventurava em acrobacias
nos abismos, independente de nosso
pânico.
De repente, uma réstia de sol
atravessou o vidro da janela
e acendeu a esperança que guardamos
escondida.
José, dona Olívia, Pedro e eu
rimos, cúmplices, ninguém mais
percebeu.
A vida, por um momento, desabrochou
exuberante e sã
naquela burocrática sala de espera.
É assim que, em nós, de vez em
quando, independente
da hora e do lugar,
irrompe no maciço da escuridão a
improvável
flor da manhã.
Fernando Leite Fernandes
os estilhaços do corpo
estão espalhados
nas cidades
:
pernas aqui
braços ali
cabeças acolá
na total desconfiguração
:
- cabeça/tronco/membros
as cidades estão entupidas
de fragmentos de populações
destroçadas em desespero
a crueldade é tanta
que dificilmente em qualquer cidade
se encontra um ser humano por inteiro
memorial dos ossos
espora uma palavra amolada
dessas que cortam a carne
no primeiro toque
espora
em meu sentido rock
não um mero truque
no pulsar da língua
que a tua pele lambe
quando saliva aflora
espora
em meu cavalo branco
o simbolismo aceso
todo dia é dia de São Jorge
Jorge Luis Borges
num plural latino
escavar a terra em busca da palavra
quando o nervo implora
espora
temporal dos músculos
memorial dos ossos
nesse tempo bruto
tudo no que posso
Artur Gomes
O Poeta Enquanto Coisa
Editora Penalux - 2020
www.secretasjuras.blogspot.com
poema 23
a língua hoje passeia
pelos martírios de florbela
em tudo que ela não disse
ou mesmo exposto não revela
pelas janelas do corpo
por todas dores prazeres
no que ficou por dizeres
no silêncio quando cala
por tudo que ainda não cabe
na sensualidade da fala
Artur Fulinaíma
o homem com a flor na boca
www.arturfulinaima.blogspot.com
no espelho da raridade
cheirei as flores do mal
pensando ser bem-me-quer
um dia sou paulo leminski
no outro : sou charles Baudelaire
Federico
Baudelaire
guardar os sábados
em nome de jesus
e me deixar
crucificada numa cruz
que só me causa dor
aos sábados
eu pratico a arte
de fazer amor
bruna
é quando a bruma
ainda espuma
espora e sal
em branca areia
eu encantada
ela sereia
Federika
Lispector
roberta agora
só se for cainelli
bruna só se for pelleto
vestido
pode ser a pele
que encobre
a nudez do esqueleto
o beijo agora
só se for ao vivo
e-mail só se for inteiro
fantasia
só se for de tanga
camila só se for pitanga
carnaval
a gente transa
em fevereiro
Rúbia
Querubim
www.personasarturianas.blogspot.com
tem urubus no telhado
a carne seca é servida
uma escorpião encravado
na sua própria ferida
não escapa
só escapo pela porta de saída
Torquato
Neto
sou o mestre sala
não me roube a fala
nem a anarquia
que não sou político
carregador de mala
e que zeus me livre
dessa corja insana
que arrombou brasil
quero que se foda
a putaria toda
e o genocida
desça a rampa que subiu
Federico DuBoi
www.fulinaimargem.blogspot.com
sempre nua
bem comida bem amada
deito de bunda pra lua
toda nudez
não será castigada
Gigi
Mocidade
www.porradalirica.blogspot.com
Artur Gomes
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