terça-feira, 15 de março de 2022

Coletânea Poetas Vivos

canção de um realejo solitário

para Artur Fulinaíma

 

“ainda tenho o teu perfume

pela casa

ainda tem você na sala

porque meu o coração dispara

quando sinto teu cheiro

dentro de um  livro

dentro da noite veloz”

 

meu coração dispara

quando abro a porta

e não te vejo

na vertigem do dia

canção de um realejo solitário

quando não te beijo

eu imenso mar sozinha

como um peixe afogado em águas

de delírio e sal

Rúbia Querubim

Obs.: versos entre aspas Adriana Calcanhoto que me acompanhou ontem a noite inteira em minha solidão




 O EU COXO ou O HOMEM-LINGUADO

 

Tenho a face torta

Por desdenhar da vida

Tenho as pernas tortas

Por desandar na vida

Tenho a visão torta

Por desvendar a vida

Tenho a alma torta

Para que caiba em mim

Deus escreveu-me torto

Por linhas incertas

 

Antônio Cunha

Poema do livro Estuário de Incompletudes, que irei lançar presencialmente no dia 24/03, às 19h30, na Casa do Teatro - Grupo Armação, em Florianópolis:

 

 Retrospectiva LETRA MULHER, do canal Antônio Cunha - Teatro e Literatura. Vídeo do poema FELIDAE, de Amanda Vital, que faz parte da série Outros Autores, de 2020.

 clic no link para ver o vídeo

https://www.youtube.com/watch?v=0exnei18uW0



Há dois anos e, quem imaginaria... a pandemia continua, sem previsão de fim...😪


QUASE AGORA

Depois a gente esfrega o chão
recolhe os tapetes
ergue os varais com as toalhas e os lençóis
corta a grama que já extrapolou os limites
abre as persianas e deixa chegar outro sol

depois a gente corta o fio
afia a navalha
estende o cordão entre as paredes
pendura as fotografias que sobrarem no baú
precisaremos afinar o olhar - o jeito certo de olhar -
para não perder nenhuma palavra desviada
daqueles olhares estancados da vida
como meros ingredientes do nada

depois a gente chora
enxuga o leite derramado
diz o amor engolido a sete chaves
corre o risco de perder a hora, o trem, a viagem depois do fim
e recolhe cada um dos abraços deixados de lado
na cama, na poltrona, na cadeira da cozinha, sobre o armário
empilha um por um, dobrados e cobrados,
nunca dados, os beijos desejados

por ora, resta-nos a máscara
o lábio amargo
a garganta seca
luvas guardando dedos sem anéis
em mãos mil vezes lavadas em água, sabão e desespero

por ora, já é quase agora
essa pobre senhora desconhecida
estendida no varal entre razões escusas
a vida - por um fio.

(Nic Cardeal, 13.03.2020)


                ela contava que em 1964

uma infestação de piolhos

deixou o continente mineiro

se coçando de raiva

 

ela dizia assim:

"aqui no continente mineiro"

 

vovó gostava de desenhar piolhos

piolhos e homens brancos se coçando

piolhos e homens brancos uniformizados se coçando

piolhos e homens brancos uniformizados com armas em punho se coçando

 

vovó era benzedeira

vovó era curandeira

e gostava de desenhar piolhos

 

minha tia que era cega tinha nojo só de imaginar

mamãe morria de rir – achava vovó maluca

 

eu herdei os desenhos de vovó

eu herdei sua maluquice

e a secreta desconfiança

pelos homens brancos

pelos homens brancos e uniformizados

pelos homens brancos, uniformizados e com armas em punho.

▪️▪️▪️▪️▪️▪️▪️▪️▪️▪️▪️▪️▪️▪️

 

✍️Lisa Alves "Piolhos" | Jardim de Pragas ( livro em construção)

*minha avó materna, Maria Antônia, 1914-1992 ( arquivo pessoal)




 

A TAMPA DO TEMPO

 

cavou a vida

como a folha quebradiça

furando o barro

vendo-se na pedra

 

depois mais fundo

buscando a terra

de dentro do buraco

que tampasse outro buraco

sem criar novos buracos

 

cavou até perder

unhas e falanges

o carpo e o braço

finalmente o tronco

 

depois veio a pá

e arruinou tudo

 

cavou um único buraco

e tampou todos os buracos.

 

Jessika Iancoski




                     PRA CONSTAR

PlanaltinoPerifericoDFconfesso

DEUSEJAH

 

Não comungo Com os que se contentam

Com migalhas do estado e das religiões,

Pois eles alimentam monstros.

Não comungo com os que enforcam falas para libertar silêncios.

Não comungo com os que não admiram a rebeldia dos rios que sobem montanhas e desaguam no céu.

Sei que meus desejos

São deuses onipotentes

Que habitam infinitos

Me protegem dentro das dobras do tempo.

 

Luiz Felipe Vitelli-DFaceiro

 


À MORTE DE UM CANALHA

(poema escrito e publicado em 1963)

 

OBITUÁRIO COM HIP-URRAS´

 

Vamos festejá-lo

venham todos

os inocentes

os lesados

os que gritam à noite

os que sonham de dia

os que sofrem no corpo

os que alojam fantasmas

os que pisam descalços

os que blasfemam e ardem

os pobres congelados

os que amam alguém

os que nunca se esquecem

vamos festejá-lo

venham todos

o crápula morreu

acabou-se a alma negra

o ladrão

o suíno

acabou-se para sempre

hip-hurra´

que venham todos

vamos festejá-lo

e não-dizer

a morte

sempre apaga tudo

a tudo purifica

qualquer dia

a morte

não apaga nada

ficam

sempre as cicatrizes

hip-hurra´

morreu o cretino

vamos festejá-lo

e não-chorar por vício

que chorem seus iguais

e que engulam suas lágrimas

acabou-se o monstro prócer

acabou-se para sempre

vamos festejá-lo

a não-ficarmos tíbios

a não-acreditar que este

é um morto qualquer

vamos festejá-lo

e não-ficarmos frouxos

e não-esquecer que este

é um morto de merda

 

Mario Benedetti

fonte: time line  no face de Edelson Nagues 




 que todas as ruas sejam Marielle

que todas as ruas tenham e repitam seu nome Marielle

que todas as ruas chamem, gritem e lembrem seu nome Marielle

pois as chagas continuam a doer

as feridas continuam a sangrar

as perguntas continuam sem resposta

mas nós sabemos a resposta, Marielle,

mas ela continua a morrer a cada dia

continuam tentando matá-la todo dia

mas ela resiste, nós resistimos, ao fulgor

da tentativa de esquecimento

que todas as ruas sejam Marielle

todas as ruas serão Marielle

Já são.

 

 Claudinei 'Urso' Vieira




 Rosas de San Vicente.


Trago versos e cicatrizes

Das rosas de vidro de Guadalupe

Rios de cantos negros

Rios de cantos, à boca da noite

Tecendo anjos mulheres e homens de luzesMeninos sopranos de mel

cantando à lua

Sob o céu de San Vicente

Sob o céu de San Vicente

Tenho o cheiro dos cortes das rosas

Tatuados na alma

Pétalas das melodias

candeias de estrelas cadentes

apagando as noites suaves

criando manhãs sonoras

auroras bordadas véus

Sob o céu de San Vicente

Sob o céu...

 

Tonho França




Dani-se morreale

 

se ela me pisar nos calos
me cumer o fígado
me botar de quatro
assim como cavalo
galopar meus pelos
devorar as vértebras
Dani-se

 

se ela me vier de unhas
me lascar os dentes
até sangrar o sexo
me enfiar a faca
apunhalar meus olhos
perfurar meus dedos
Dani-se

 

se o amor for bruto
até mesmo sádico
neste instante lírico
se comédia ou trágico
quero estar no ato
e Dani-se o fato
deste sangue quente
em tua boca dos infernos
deixa queimar os ossos
e explodir os nossos
poemas físicos pós modernos

 

Artur Gomes

O Poeta Enquanto Coisa

Editora Penalux – 2020

www.secretasjuras.blogspot.com







Pátria A(r)mada

www.arturgumesfulinaima.blogspot.com

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