uma noite
blue de bruma e calor
meus pés
de barro e sal levitam
levados
pela bicicleta azul
carcomida
de histórias e maresia
em noite
do mar de lua pisamos no pescoço do universo
e
libertamos as galáxias aprisionadas das páginas de enciclopédias
gosto de
me ver como um rastro que segue outros rastros
ao mesmo
tempo em que desoriento meus passos no balé kamikaze das ondas
o som do
vento estronda um vapor
sigo com
meu camelo na calma clara da alma da madrugada
deserto
entorpecente de horizonte azul
cenário
das rendas aeradas na noite inerte de alguma fuga
areia nos
olhos vermelhos que observam o céu
um
convite ao passeio pela lua de espelhos
pedalando
uma velha bicicleta
ao som de
saudade entranhada num blues
Que se foda
que se foda
que eu veja beleza
onde talvez
ela nunca esteja.
que seja
que se foda!
que se foda
que o que há
em minha frente
seja para muitos
aquilo que os torna ausentes
que se foda!
que se foda
quem não mais acredita
e vende a peso de ouro
o sonho dos que lutaram
para provar que a busca é infinita
que se foda!
que se foda
essa pose
de “oh não me toque”
de “oh quelquechose”
e esse ar blasé
que faz de você
mais um que “se acha” no mundo
e também vai se foder
que se foda!
que se foda
que eu queira fazer um poema feliz
mesmo que a arte seja a tradução
da vida do artista que está por um triz
cansei do equilíbrio em cima da corda
quero saltar para os braços da orda
que se foda!
que se foda
que você não se mova
não saia, não viva
que a futilidade seja o seu natural
eu vivo, arrisco e corro perigo
com os meus amigos do
reino animal
que se foda!
que se foda
quem nunca sente
e vive o futuro
negando o presente.
que se foda
e se exploda
em síntese, sintaxe, semântica
semên e semente.
que venha mais gente.
que se foda!
que se foda
que todos se fodam
e fodam-se todos
e todos aceitem
a unidade despudorada do gozo
que se foda!
que se foda!
em gozo e alegria
foda-se tudo
e sobretudo
os poetas
eu quero é a poesia
Concreto
era só
o céu
o cerrado
a imensidão
a solidão
e o horizonte
olha, vê
enxerga o hoje
o que tem à sua frente?
ainda o cerrado, a imensidão
a solidão já não é mais a única companhia
e de concreto, há o horizonte
Princesa
beijou príncipes
engoliu sapos
mergulhou fundo
no mar de lama
engoliu príncipes
lambeu o sapo
toda noite
peixinhos coloridos vêm mergulhar na sua cama
acorda sempre feliz
beijando a cara do dia
princesa brejeira da fauna
que aflora pela sua cercania
Como se o tempo fosse
aquele poema que eu nunca fiz
houve um dia
em que eu
quis ser lindo e forte
como aquele
poema que eu ainda não fiz
um tempo
antes do pensar
um tempo
antes
[em
suspenso]
como se
minhas asas,
aquelas que
brotavam do meu calcanhar,
me levassem
a flutuar à deriva de mim mesmo
não era tão
distante de hoje essa época
um cisco no
olho de cronos
que o fazia
andar em voltas
e nós
rodopiando pelo caminho
sem jamais
querer chegar
hoje me movo
assustado
com gestos
suspeitos
como quem
procura uma saída desse redemoinho
abrindo
portas de espelho
não quero
mais a fortaleza
só um pouco
de beleza e uma réstia de brilho no fundo do olho
como se um
dia eu pudesse encontrar
os
resquícios daquele poema
que eu ainda
não fiz
A louca
eu sou a louca
a que finge se apaixonar por qualquer um do bar
jurando a si mesma que dessa vez encontrou aquele selvagem dos
filmes de coppola
sei que isso passa como a coca cola que passa pelo ralo de uma
rala ressaca
sento só em qualquer mesa
faço questão de desfazer a impressão de mulher culta
saio às ruas sem disposição para luta nem disputas
ensandecidas apenas minhas carótidas aquecendo o sangue que
serpenteia na cabeça
tem dias que tô mesmo é afim de alguém que me pague uma bebida
ouvir histórias esdrúxulas de patéticas epopeias masculinas
pelo simples prazer de me obrigar a tomar mais um gole e
esquecer
e voltar a me lembrar
de quem não sou, de como cheguei nesse lugar
e constatar entorpecida de fatal felicidade
que eu sou mesmo a louca
Wélcio de Toledo
Fez parte da “Caravana Rolidey – Literatura na Estrada”, projeto que reuniu escritores como Erre Amaral, Manoel
Herzog, Pedro Tostes, Marina Ruivo, Ademir Demarchi, entre outros, e que tem
como proposta levar o debate sobre literatura contemporânea brasileira e
apresentar a produção literária dos autores em diversas cidades do país.
Juntamente com Vanderlei Costa, Yonaré Barros e Cris Brites
toca o Coletivo Anarcopoético, que
organiza ocupações anarcopoéticas em espaços
abertos de Brasília juntamente com
outros amigos poetas, com música, poesia, exposições ao ar livre, performances,
transgressões e o que mais surgir de arte.
Possui poemas em diversas antologias,
coletâneas e revistas literárias e tem quatro livros publicados: Poemas, Visões e Outras Viagens, 2012; SUBVERSOS, 2015; Rosa como o bico do meu peito (contos), 2017 e Tudo que não cabe no poema, 2019.
Acredita no caráter essencialmente
libertário da poesia.
Mais Wélcio de Toledo – aqui https://revistaacrobata.com.br/demetrios/poesia/6-poemas-de-welcio-de-toledo/
Pátria A(r)mada
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