É preciso que venha de longe
do vento mais antigo
ou da morte
é preciso que venha impreciso
inesperado como a rosa
ou como o riso
o poema inecessário.
É preciso que ferido de amor
entre pombos
ou nas mansas colinas
que o ódio afaga
ele venha
sob o látego da insônia
morto e preservado.
E então desperta
para o riso da forma
lúcida
tranqüila:
senhor do duplo reino
coroado
de sóis e luas
Dora Ferreira da Silva (1918/2006)
Do livro: As Mulheres Poetas Na
Literatura Brasileira – Org. Rubens Jardim – Editora Arribaçã - 2022
Neste
ano de 2022, em que a Alpharrabio Livraria Editora e Centro Cultural completa o
seu trigésimo aniversário, surge o SarAlpha, um momento para ler poesia,
cantar, tocar ou simplesmente trocar ideias. O sarau é aberto ao público e será
exigido atestado de vacinação Covid19. A atividade acontecerá no terceiro
sábado de cada mês, das 16 às 19 horas. Sábado, agora, dia 19, será nosso
primeiro encontro. Bora?!
plantio
o Amor era negro
e gostava de riso
colares de pérolas lhe saíam da boca
e cuspia fogo se preciso fosse
o Amor vestia-se de coragem
humano
humano amor
que habitava a esquerda
onde o coração se inclina
e o sol se deita
o amor falava sobre o próximo
e não viu de que lado vieram as rajadas
não ouviu as nove risadas
que a_tingiram de vermelho o amor
no mesmo instante
remontou os confins do mundo
um clarão à direita do horizonte
...
março se cobre de Marielles
tempo das águas
mês de semear a terra
Ivy Menon
4 anos de uma pergunta sem resposta:
QUEM MANDOU MATAR MARIELLE?
...
uma mulher descerá o morro
como se descesse de uma estrela
uma mulher seus olhos iluminados
suas mãos pulsando vida e luta
sob seus pés a velha serpente
[a baba as armas a covardia de
sempre].
uma mulher descerá o morro
as inúmeras escadarias do morro
os muros arames que separam o morro
e pisará o chão desse país sem nome
desse país que ainda não existe
desse país que interminavelmente não
há
uma mulher descerá o morro
tempestade é o vestido que ela veste
uma mulher descerá o morro
e ainda que seu sangue caia
ferida incessante no asfalto do
Estácio
e ainda que anunciem sua morte
[e sim, ainda que a comemorem]
esta mulher ninguém poderá parar.
(Poema de Micheliny Verunschk)
Extraído da time line no face de Arnaldo Afonso
JOMARD MUNIZ DE BRITTO (1937
Extraído da time line no face de
Fabiano Calixto
I
Não há vazio no silêncio
Dentro dele
Em sua veemente mudez
Movem-se as coisas
Perdidas de seus nomes
II
Habitar essa ilha de memória
Margear o passado
Essa terra de vida e morte
Buscar os sentidos
Partidos ao meio pelo tempo
Corrente-leito-de-espera
Recusar a morte
Do rio que já não é
Aceitar a vida
Do rio que será
III
Há tanto não vejo o riso da manhã
Ela em seu casulo
Concentra o tempo
Guarda na letargia das horas
Toda luz crescente
O vento faz silêncio
O fruto não cai
A música não toca
Todo gesto vem à proa do pensamento
Não há brevidade no vazio
IV
O humano é esse abismo mais profundo
Depois de inventar os deuses
O pecado e o perdão
Em sua cotidiana autofagia
Devora toda a vida
Que lhe circunda e habita
V
Perdi o fio das horas
Tenho-as delineadas
Em datas perdidas
Nas dobras do tempo
Lanço-me ao passado
Num traçado de inexata rota
Levo apenas os sentidos
Para o cultivo de imagens imperecíveis
VI
Erigir do tempo
Pretérita imagem
Quedar-se em silêncio
De surda ausência
Velar no céu da boca
Estrelas mortas de negar auroras
VII
O salto para outra margem
Chão insular
Ancho de memória
No intento de ser livre
Habitar esse chão
Decifrar sua topografia
VIII
No agora e sobre o agora
Eu ainda sinto-me num centro de lutas
Cotidianamente
Embora eu deseje empunhar a faca
E afiar seu gume
Tudo o que eu tenho é o corte certeiro das palavras
Diante das mortes de cada dia
Fonte: https://revistacaliban.net/ch%C3%A3o-de-ex%C3%ADlio-f6f54c37b24a
Que me destruíram
Mesmo quando poucos
São mais do que eu
Mesmo quando me lembro
Do mestre vietnamita
Que morreu lutando pelo amor
E que dizia
“Enquanto estivermos lavando os pratos
Deveríamos apenas lavar os pratos”
Não posso mais vencer os pratos
Que me ultrapassam
Mesmo quando dormem pacíficos
No armário de madeira
Para que tanto prato, meu Deus,
Pergunta meu coração
Porém meus olhos
Vocês já sabem
Então vem alguém
Que lava os pratos quando eles me atacam
E me lembra que perto
Bem perto
Há quem não tenha pratos para lavar
Nem o que pôr dentro deles
E aí me envergonho
De querer arremessá-los pela janela
Contra a parede
Ou contra os homens
Com toda a força
Que não tive para lavá-los.
TEBAS, AINDA
Onde você perdeu seus olhos?
Em que noite eles se esconderam
Camuflados na paisagem
Como o camaleão na floresta?
Eram duas bolas de gude castanhas
Onde o mundo se enxergava e se
redescobria
O que viram para desaparecer assim?
Teriam virado pó
Quando você olhou para trás
Antes de chegar até aqui?
Por respeito tentamos cerrar suas
pálpebras
Mas elas submergiram
Sugadas por dois buracos
Cheios de vazio
Leila Ghuenther
•••••••PALAVRA
PARTO
O R
E T V
M ARREPIO
A N
DENTRO
O
Tem dias que sinto um poema empurrando a porta
não dou atenção, mas ele, silencioso e sozinho,
insiste
aos poucos, quiçá um milímetro por hora ou dia,
a porta vai cedendo lugar ao vento
sim, ao vento
um vento gelado que antecede o poema
- todo poema tem um porta-voz bem indecente:
ventania cortante, que faz arrepiar os pelos, a
pele, o jeito de olhar as coisas, os homens, as borboletas, os precipícios -
às vezes esse arrepio é tão danado que sacode
até a alma!
é então que o milagre (ou desgraça) acontece:
a porta escancara bruscamente!
a palavra toma gosto
é enxurrada que desce goela abaixo
- garganta, nó, saliva, engasgo, sufoco -
vem a ânsia e o poema vence:
faz usucapião bem no esquerdo do peito
(invasão de poema exige da gente um certo
respeito:
é preciso coragem - e estômago - para devolver
ao mundo o arrepio dos pelos, da pele, das coisas, dos homens, das borboletas,
até mesmo de precipícios)
a porta - finalmente aberta - agradece
o coração, em êxtase, conseguiu enxergar a
estranha paisagem no mundo de dentro!
(Nic
Cardeal/2020)
@todososdireitosreservados
beber desse conhac
em tua boca
para matar a febre
nas entranhas entredentes
indecente é a forma
que te como bebo ou calo
e se não falo quando quero
na balada ou no bolero
não é por falta de desejo
é que a fome desse beijo
furta qualquer outra palavra presa
como caça indefesa
dentro da carne que não sai
Artur Gomes
www.fulinaimagens.blogspot.com
Este poema ficou por 6 anos, sendo gestado nas entranhas
entredentes para ser parido. Em 1996 na primeira vez que fui a Bento Gonçalves,
para o Congresso Brasileiro de Poesia, a convite do seu criador o poeta e
jornalista Ademir Antônio Bacca, conheci a musa que o inspirou, na época
estudante de Arquitetura. Ficamos por um
longo tempo trocando Metáforas de Fogo, através de cartas incendiárias.
Até que numa madrugada de 2002 num dos bares de Bento, que
frequentávamos, durante a realização do
evento, ele nasceu cara a cara olho no olho escrito num guardanapo. Essa passagem está em versos no poema A Poesia
Pulsa, do livro O Poeta Enquanto Coisa – Editora Penalux – 2020.
clic no link para ver o vídeo
https://www.youtube.com/watch?v=Rwd0dnbGLvk
revoada
[sil guimarães]
sangrar o amor em nome do ódio numa emboscada
machista racista escravocrata — atalhar uma vida —
sofrer com o trabalho forçado no tribunal da
memória
cochilar sobre arames farpados nunca mais dormir
conviver com minhas faces tremulando nos jornais
— estandartes da esperança renovada ad infinitum —
suportar meu corpo tomando posse de outros corpos
agigantando-se neles à cata de tolerância &
justiça
: agora sou uma flor negra & altiva que a morte
regenerou e transmigrou em inúmeros pássaros
pólen néctar colibri minhas palavras espalham-se
ao vento e esse ardor você não pode emudecer
#quemmandoumatarmarielle #porquematarammarielle
extraído da time line do face de Adelaide do Julinho
O Poeta Enquanto Coisa
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