terça-feira, 15 de março de 2022

Coletânea Poetas Vivos - Antônio Cunha

 


VERDADE

 

palavra de medida

exata

fio de lâmina

que perpassa

ao rés-do-chão

cortando tornozelos

(paus de rasos fundamentos,

sem raízes)

palavra que a frio

espreita

na curva da escada

o passo em falso

o solilóquio

a contrição

o disse-que-não-disse

a lide

é ver que arde

bem cedo

ou mais tarde

invade - aluvião

 

o quão esta palavra

é o cão!

 

 CRUAS

(AUTOFAGIA)

 

As ruas da minha cidade

Perseguem estranho destino

Rastejam sobre si mesmas

Esfolando os próprios leitos

Vão quando estão voltando

Vêm quando estão partindo

Feito cobras pelos rabos se engolindo

 

 MISTÉRIO DOLOROSO ACOMETIDO DE UM INSTANTE DE GOZO

 

morro alto

dolorosa estação

calvário inatingível

de pedras pontiagudas

raízes extirpadas

no caminho

 

arrastar a dor

morro acima

por meio de cordas

de aço inexorável

pululando em cada

passo os sulcos

futuras e irremediáveis

cicatrizes

 

um desequilíbrio e

dor

          dor

                      dor

morro abaixo

dor de recobrar

os sentidos em pedaços

e recomeçar ...

 

...morro alto

dolorosa estação

calvário inatingível...

 

 ...é imprescindível

viver dói muito, mas,

perdoai-nos pai

um furtivo gozo

que a vista cá de cima

é mesmo uma beleza!

 

Antônio Cunha




 Antônio Cunha - Diretor, dramaturgo, roteirista e ator, natural de Florianópolis, é de sua autoria, dentre outras, a peça “Dona Maria, a Louca”, que já recebeu montagens no Brasil e em Portugal, naquele país pela atriz portuguesa Maria do Céu Guerra.

 Em 2004, lançou o livro “Três Dramas Possíveis”, contendo três de seus principais textos teatrais. Como ator, tem participado de diversos trabalhos no teatro e no cinema, dentre os quais destaca-se o filme ENSAIO, de Tânia Lamarca, lançado em 2013. Assinou a direção de várias peças de teatro, suas e de outros autores, como “Uma Visita”, do dramaturgo alemão Martin Walser, pelo Grupo Armação, de Florianópolis, com a qual excursionou pelo território dos Açores, em Portugal, a convite do governo local.

Iniciou a sua incursão pela ópera realizando a concepção e direção cênica de “O Diretor de Teatro” (Der Schauspieldirektor) de Mozart (2004) pela Companhia da Ilha (Florianópolis), continuando com Cavalleria Rusticana, de Mascagni (2004); A Flauta Mágica, de Mozart (2005); Rigoletto, de Verdi (2006); La Traviata, de Verdi (2007 e 2008); O Elixir do Amor, de Donizetti (2008) e O Barbeiro de Sevilha de Rossini (2009), todas pela Pró-Música de Florianópolis.

Em 2010, dirigiu com a mesma equipe a remontagem da ópera La Traviata em Florianópolis, já pela Cia. Ópera de Santa Catarina, e, em 2012, a remontagem de O Barbeiro de Sevilha apresentada na cidade de Chapecó. Em 2013, dirige a montagem da ópera Carmen, de Bizet.

 É membro da Academia Catarinense de Letras e Artes - ACLA.



O Poeta Enquanto Coisa

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