de minha cama provisória
vejo o céu e o silêncio
microcosmo disfarçado
o mundo real não é aqui
Dalila Teles Veras
A casa pede consolo
o céu está cinza
nuvens espessas cheirando a despedidas
olhares vazios pelos corredores
janelas trancadas receando vendavais
- é preciso colocar de volta os tapetes ao chão
enxugar os molhados de hoje
aguar a alma das securas de amanhã
preparar o café, o almoço, o jantar -
porém,
se precisarmos abandonar a casa sozinha
é de bom alvitre que saiamos com os pés calçados
mãos lavadas e olhos abertos - atentos, perplexos -
há rumores de que tempos absurdos andam por aí
aos bandos
- e tempos estranhos pedem cuidado -
aconselha-se ainda
que prossigamos no caminho da vida sem grandes
alardes
[façamos silêncio, tudo é tão tarde!]
diz-se que é chegado o tempo de acontecer
- acontece e pronto -
sigamos em frente
não há maneira de estancar a ferida
derramada em tristezas por entre as retinas
a não ser seguindo a sina - os sinais, as rotinas -
porque viver também se vive em casas nubladas
ainda que em alegrias mínimas ou angústias máximas
que em casas nubladas a alma não seja expurgada
permaneça alojada no timo, nas quinas dos olhos
ou mesmo a espiar por entre as fibras diversas
que fazem membranas entre os gestos sutis das
lembranças!
que em casas nubladas
'inda seja permitido um verbo na garganta
a dizer sobre as dores incandescentes dos desejos
- moradores rebeldes do coração -
(Nic
Cardeal, 01.03.2021)
#poemasdesobrevivênciaàquarentena - seguindo na sobrevivência...
O MENSAGEIRO
para António
Cunha
uma imagem, uma voz, um gesto! escolhe qual preferes!
captura! cunha a medalha!
ah! não esquece o clima, o quarto, o guarda- roupa
e sobretudo o som
o entorno de penumbra...
põe tudo isso... oh, sim, põe tudo na medalha
como se o vento cortasse
a garganta jorrasse
a mão arabescasse no vitral da igreja.
no ribombar dos sinos
ouve
o coração da medalha
estufado em loucuras de perplexidade
encimando a medalha
o nome!
não esqueças o nome!
sim! o primeiro!
o nome grávido
o nome mastigado
o nome parido
o nome sonoro
o nome curtido
o nome que é sonho
entendeste bem?
esse nome cunhado
esse nome lavrado,
repartido, amado
ora, meu amigo,
esse nome
é
Antônio.
(Anna Miranda)
O abajur apaga
Deve ter queimado a lâmpada
O escuro toma conta
Volta o medo de criança
Quando tudo escurece
É como se o mundo
Fechasse os olhos
E nos anoitecesse
Atrás de suas pálpebras fechadas
O escuro toma conta de tudo
Nos cega
Mas não por muito tempo
Os olhos se acostumam
Também com a escuridão
E o contorno das coisas
Voltam a aparecer
Não existe escuro absoluto
Pelo menos não por muito tempo
Armando Liguori Junior
Hora do almoço
Meu prato cheio esbarra nas prateleiras
vazias dos supermercados da Ucrânia
Vazios os meus olhos se multiplicam
pelos bebês amontoados no subsolo de
um hospital de Kiev
Mães e voluntárias não dormem
Pregam fitas crepe nos vidros para que
não se estilhacem com a trepidação causada
pelos aviões russos que sobrevoam zonas civis
como sabujos farejando inocência e sangue
A torre de TV de Kiev explode
Na tela
A minha TV não desliga
Mas os corpos dos cinco mortos não aparecem
É proibido.
Mortos assustam crianças e brasileiros sensíveis
Um pai ucraniano diz aos filhos que a fuga
é uma filmagem da Marvel
Os meninos riem eufóricos, dispostos
à caminhada que se acelera entre a crença
na brincadeira e a realidade cruenta
Meu prato cheio esfriou.
No lettering daquela TV 24 horas, a notícia de que
crianças ucranianas com câncer pedem o fim da guerra
Acidade navega sobre o nada”
Ouro Preto tem as tintas da manada.
Ouro Preto tem as cores mais cruéis.
Onde encontro estas cores nos pincéis
Quando morro nos olhos da amada?
Marílias, por aqui sempre podeis!
A cidade navega sobre nada."
Romério Rômulo
cortando da gaivota
o silêncio
da solidão, o frio
aprendo aos poucos os acordes de "La Vie em Rose"
te dou metade d palavra amor
e espero do caminho,
a outra metade
Natália Agra
do livro De Repente Chuva
Corsário Satã - 2017
terça
feira de carnaval
te esperei com quibe de peixe
e no freezer sua Amistel preferida
às 5 você não veio
duas doses de vodka com pitanga
para dar coragem e
cair no samba no boi da cara preta
não me vesti de tranga
apenas esse vestidinho transparenta
para provocar os capixabas caretas
se você viesse
o amor seria no mar
entre corais mariscos
nossas pernas entrelaçadas
entre as partículas de
areia
você meu cavalo marinho
eu sua branquinha sereia
Rúbia Querubim
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