sábado, 12 de março de 2022

Coletânea Poetas Vivos - Sonia Bischain



 

REINTEGRAÇÃO DE POSSE

 

(Comunidade do Cimento)

24/03/2019

 

Sons de helicópteros,

o crepitar do fogo,

Repetitivos sons.

Cansou-se a poesia

desses ruídos.

Circula

um vento de eternidades

varrendo

ruas e vielas.

A chuva vem lavar

as marcas no chão,

como se não houvesse,

já,

chovido demasiado

gelando corações.

Há distância de olhares,

ausência de palavras,

braços cruzados,

mãos fechadas.

Como há de lidar

o meu poema

com tal indiferença?

Entre ruídos

de helicópteros

e sirenes

morre-se um pouco

a cada dia.

E os sonhos ardem

na noite em chamas.

Ontem colhiam

risos inocentes,

hoje, guardam,

tão somente,

cinzas e silêncio.

 

 

SOMOS PÁSSAROS

 

publicado no livro

Espantologia Marielle

em nossas vozes)

 

Doeu a quarta-feira,

noite de pesadelos.

Nossos corações estancaram

perplexos,

despedaçados.

Nossos olhos,

silêncio avermelhado:

vermelho mágoa,

vermelho medo,

vermelho dor,

vermelho vergonha.

Vermelho chagas no corpo,

projéteis na alma,

territórios de algemas,

violência.

Disparos diários

arrebatando jovens,

crianças,

homens e mulheres.

E naquele dia,

mirando seu corpo,

t

    i

        r

            o

                 s

como raios,

balas certeiras

dilacerando a carne.

Para matar sonhos,

roubaram sua voz

sob uma chuva de balas.

Sangue derramado na terra

aonde, diariamente, tombam

os nossos mortos.

Amanhecemos feridos,

grito trancado nas gargantas.

Porém sua imagem

se agiganta

ante nossos olhos.

Nada deterá seus passos,

seguiremos o seu rastro.

Unidos, rompemos o silêncio,

levantamos os nossos punhos

em ruas e avenidas.

Sua voz em nossos ouvidos

nos pede que sonhemos.

E do silêncio

imposto às suas palavras,

do nosso luto,

como um disparo

mais veloz que aqueles tiros,

sobre seu sangue,

reinventaremos a luta.

E você semente

e nós pássaros.

 

 

 

É HORA DE PREENCHER OS VAZIOS

 

(altos índices de mortalidade na Brasilândia, em tempos de Covid)

07/2020

 

Saímos em caminhada,

Esta linda manhã de céu azul

contrasta com a nossa história

forjada a lágrimas e a suor.

 

Seguimos nós,

 

Solidários,

ofertamos nossa voz,

nossas mãos suadas,

nossos braços estendidos,

nossos pés cansados.

 

Seguimos,

imergidos em nosso luto,

mergulhados em nossa dor.

 

Não podemos fingir

que tudo está bem.

 

Nossas vozes denunciam

desde sempre

o desprezo das autoridades,

a escuridão do dia de amanhã.

 

A incerteza abre em nós

feridas profundas.

Indignados gritamos:

nossas vidas importam!

 

A periferia resiste!

 

Lutamos para barrar o abandono.

Nos levantamos

para impedir que o silêncio

das autoridades

nos corte fundo a alma

e tire de nós

o que de mais sagrado temos:

Nossas vidas.

 

Hoje, em nosso país,

o medo recria abismos,

amplia ainda mais as desigualdades.

 

A vida colide com a morte!

 

É hora de proteger a vida.

É hora de preencher os vazios

de nosso ser.

É hora de gerar novas maneiras de viver.

 

Lutamos pela vida

e a queremos plena.

 

O sol ainda brilha no céu.

Enquanto houver vida, resistiremos.

Depois não haverá

tempo para o talvez.

 

Efêmero é o tempo.

A hora é agora.

 

 

DE ENCONTROS E DESPEDIDAS

 

Não te assustes com a noite,

que se faz em minh’ alma.

Não te assustes com o brilho,

do olhar, apagado.

Não te assustes com o silêncio

dos lábios, calados.

É a hora das lembranças,

para que não desapareça

a vida que sempre foi...

E quando meu olhar no teu

lembrar teus lábios sobre

os meus lábios;

E lembrar teus dedos entre

os meus dedos, emaranhados,

sintas o vento sussurando

em teus ouvidos

palavras do meu amor.

E escrevas teus versos.

Mas quando novamente

me chamares...

Como onda do mar

a revolver a areia,

como o vento

que não tem morada,

beijes minha memória.

E que um pássaro venha

te contar num canto,

num sussurro,

que já não sou

e me leva o vento

e te levo em sonhos,

amor meu

para sempre.

 

 

 

ESSÊNCIA

 

Se céu

dividiria estrelas.

Sou chão

partilho sombras

sob o sol.

 

Lavo a alma

em sonhos

tons

e

cores.

E dura o dia

e longa a noite.

 

Mansa garoa

sobre a terra.

Orvalho

acarinhando

pétalas,

rebeladas

ardem.

 

Fogo

em chamas

a tocar o infinito,

aí sou céu

e livre,

e divido

estrelas,

sendo

chão e sombras.

 

 

revolucionário

 

Botou os olhos

no futuro

e nunca mais

pode aceitar

este presente.

 

                                     

liberdade, SONHO E POESIA

 

Há vozes que se calam

na contramão da vida

no quarto vazio

nos anseios esquecidos.

 

Há silêncio no olhar perdido

nos pensamentos feridos

nos corações amargos

nas mãos recolhidas.

 

Há ignorância em excesso

na prisão perpétua

do conhecimento furtado

da memória negada.

 

Há violência roubando a vida

disparando o medo

manchando a terra

de sangue e de vergonha.

 

Há apelo e angústia

no peito rompido pela dor

no olhar indecifrável

da miséria e da fome.

 

Há ódio jorrando

das frases silenciadas

nas palavras cansadas

nas prisões do egoísmo.

 

Há maldade sobrando

no vazio da alma

nas armadilhas da noite

nas sombras do dia.

 

Há sonhos abandonados

na terra adormecida

nas manhãs proibidas

no futuro retido.

 

Mas há sombras que

do fundo do poço retornam.

Há mãos que fazem brotar do chão

o grão seco que se torna pão.

 

Há liberdade nos gritos

que pela cidade ecoam

Há desejos insaciados

convertidos em luta.

 

Há sonhos forjados

no cerne da alma

sonhos que constroem

e reconstroem o verso.

 

Há poesia vertendo

do canto daqueles

que arrombam a porta da alma

e em todos os homens

semeiam a esperança.

 

Sonia Bischain

Natural de São Paulo/SP, Sonia R. Bischain mora na Vila Penteado, distrito de Brasilândia, periferia da capital. É escritora (romancista, contista, poeta), fotógrafa e design. Fez diagramação, capa/fotografia/ilustração de seus livros e de outros publicados por coletivos e saraus da periferia de SP. Participou em várias exposições fotográficas individuais e coletivas em casas de cultura, bibliotecas e saraus de SP. Fez parte de eventos literários no Brasil, França, Cuba, Paraguai, Chile e Argentina. É uma das organizadoras do 'Sarau da Brasa', que acontece desde 2008, com um trabalho voltado para a literatura em bibliotecas e escolas públicas da região do Distrito de Brasilândia.




SubVersão PoÉtica

www.personasarturianas.blogspot.com

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