vi meu rosto
no espelho
do açude
bebi o mergulho
que o tempo soma
lagarta subindo
na figueira
sumi do rosto
que havia
caminhei sem
passos no pasto
vida ligeira
mundo vasto
O Outono chega num equinócio entre o dia 20 e 21
de março. Eu cheguei no dia 21 de março de 1957. Filho de Maria Joanna e
Theodoro. Nasci na fronteira do Brasil com o Uruguai e nunca mais abandonei os
extremos.
Aos 20, não sabia se chegaria aos trinta. Em plena
ditadura, lutar era um verbo que me acompanhava. Sonhar, também. Cruzei os
trinta, os quarenta, os cinquenta e chego aos 65 com fome de vida. Querendo
mais.
Enquanto o Sol vai entrando em Áries, vou
arrumando a mochila para mais uma jornada. Sou de Lua. Voto em Lula. Caminho
sem medo do futuro, sem vergonha dos meus rastros.
Enfim, sigamos preparando o mundo dos que virão. O
futuro é o traçado primordial dos nossos dias,
Um beijo, um abraço aos que celebram a vida. Mesmo
em tempos incertos. Gracias a la vida, pois o que colhi entre alegrias e
tristezas é o que me mantém vivo.
Lau Siqueira
Um recado
No lugar do poema cotidiano,
hoje deixo um pequeno recado,
que diz mais ou menos assim:
Encontre suas figuras de linguagem,
suas metáforas, suas anáforas,
suas sinestesias...
Porque o poema está revirado,
remexido, pelo avesso,
sem alegria.
E o poeta, entristecido, sem saber
o que dizer, o que falar
o que contar,
pegou a bicicleta, e partiu
em busca de prosa
na rua de palha...
Lá flutuam mares,
marulham luas,
orvalham dias,
cheios de versos, linhas, cheiros
formas, cores, ritmos, sons,
sabores...
poesia!
Joilson Bessa da Silva.
Alphaville, 16, 18 e 20 de março de
2022.
para comemorar os 69 de ana cristina césar, em 2021
[ o que está entre aspas é dela
imagem de laura makabresku ]
bolero para uma tarde de granizo
[sil guimarães]
"Enquanto leio, meus seios estão a
descoberto. É difícil concentrar-me ao ver seus bicos. Então, rabisco as folhas
deste álbum. Poética quebrada pelo meio". Palavra vendada. Vida sem cura.
Tudo o que afasta as manhãs. Passarinho pegando fogo enquanto voa.
Taí. Eu fiz tudo. Contei carneirinhos.
Rasguei sombras. Apaguei reticências. Enredei lembranças. Remendei o passado.
Soltei o verbo e os cachorros. O que a gente não é capaz de fazer para não
perder o resto da esperança?
Atrás de morro, morro. E é de amor.
Uma borboleta gira à minha volta. Treme
no meu ombro antes do voo fatal: lembrança do casulo.
Tenho uma janela aberta e límpida à
minha espera:
no Ar
não penso
atravesso
o portão da tua casa
o corpo em fogo
a carne em brasa
tudo arde
nas cinzas das horas
no silêncio da tarde
vou entrando sem alarde
sem comício
como o pássaro
que acaba de cantar
em pleno hospício
você pensa que escrevo em rua reta ou
estrada sinuosa para você poesia é verso do inverso ou avesso de uma prosa?
escrevi pscanalítica 67 em mil novecentos e sessenta e sete numa madrugada de
setembro outubro quando visitei meu pai no henrique roxo e vi vespasiano contra
a parede dando cabeçadas no manicômio mais uma vida exterminada e no fim das
contas noves fora nada tudo o que eu queria dizer naquela hora explode agora
quando atravesso o portão da tua casa o corpo em fogo a carne em brasa sem
pensar estética estrutura estilo de linguagem sinto o desejo entre os teus
mamilos a espera do beijo da esfinge que devora
Artur Gomes
PoÉticas ArturiAnas
www.arturkabrunco.blogspot.com
Nua,
a fazer fremer os violinos,
afligir o pensar
em lânguidas vertigens
dos meus íntimos.
Assim me ponho, …
Neusa Pivatto
num barco q afunda
Pat Lau
Quem, em um corredor da morte
(passos diários de todas as vidas)
escolherá, como último alimento,
a fome?
(que tragam chocolates e vinhos,
comidas exóticas, comida de mãe
doces da infância, o amargo, todos
os temperos)
alguns escolhem
o prato vazio
de quem recusa.
***
Eduardo Lacerda
de onde não existe destino
tampouco razão
é o caminho difícil
daqueles que só ouvem não.
Vim pelo caminho estreito
por entre as encruzilhadas
onde se morre suspeito
onde se vive por nada.
Neste espaço de amor e ódio
trago uma flor na lapela
uma rosa vermelha no peito
e neste tempo nada romântico
troco farpas e disfarces
com meu oculto sujeito.
Jidduks
juntar as 2 margens
do rio.
Romério Rômulo
NÃO HÁ VAGAS
O preço do feijão
não cabe no poema.
O preço do arroz
não cabe no poema.
Não cabem
no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila
seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
— porque o poema,
senhores,
está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira
José Ribamar Ferreira – Ferreira Gullar -, foi poeta,
escritor,
tradutor e teatrólogo. Considerado um dos maiores autores brasileiros do século
XX, foi um dos fundadores do neoconcretismo, movimento marcado pela oposição ao
concretismo e defesa de uma maior subjetividade e expressividade artística,
liberdade de experimentações e criações artísticas.
Ferreira Gullar nasceu em São Luiz do Maranhão, em 1930,
publicou seu primeiro livro, “Um Pouco
Acima do Chão”, em 1949. Com o
golpe militar, em 1964, foi preso e exilado — passou por Moscou, Santiago, Lima
e Buenos Aires, só retornando ao Brasil em 1977. Durante o exilio na Argentina,
escreveu sua magnum opus, o “Poema
Sujo”, um longo poema, com quase 100 páginas, que foi traduzido em 25
países.
Em 1980, publicou “Na
Vertigem do Dia” e “Toda Poesia”, que reunia toda sua produção
poética até então. Em 1985, pela tradução da peça “Cyrano de Bergerac”,
ganhou o prêmio Molière, o mais importante do teatro nacional. Indicado ao
Nobel de Literatura em 2002, o escritor acumulou uma série de prêmios
literários durante a sua trajetória, com desataque para os Prêmios Jabuti de
Ficção e Poesia, e o Prêmio Camões. Em 2014, Gullar foi eleito para a cadeira
nº 37 da Academia Brasileira de Letras. Ferreira Gullar morreu em 4 de dezembro
de 2016, aos 86 anos.
Compartilhamos acima um dos grandes poemas do autor. Escrito em 1963, “Não há vagas” faz uma crítica direta às condições de vida da população, enquanto vivíamos as inquietações do período de ditadura militar. Uma produção que nos ajuda a refletir sobre o cenário social brasileiro, passado e presente.
fonte: Revista Bula
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