de um
caminho antes [e depois] do mundo •
antes da estrada
tuas pegadas seguiam submersas no vão
não havia como decifrar as marcas
você não deixava pistas
apenas ia
como quem flutuava nos sonhos
passarinho solto entre as esferas
teus olhos caleidoscópicos
: dois mundos invisíveis
antes da partida
a tua pele tão outra
leve pluma indefinida
um breve percurso de respiros
tanto amor sufocando entre as costelas
feito um acorde dissonante
os ruídos das gentes
a tua face silenciosa
a música das esferas
as tuas fases em metades
até que o grito de um deus distante
te deu a última chamada
: não houve resposta plausível
para um [possível] recomeço na tangência do teu
olhar
antes da chegada
nenhum caminho
nenhuma trilha
apenas tuas asas caindo no abismo derradeiro
depois do mundo
entre sístoles e diástoles
um coração em conserto
tuas secretas asas
[descosturadas dos horizontes]
hoje planam em universos paralelos
: teu nome é liberdade e imensidão
Nic Cardeal - 31.03.2022
▪︎ para Henrique Cardeal, aos oito meses de sua
mudança de plano (e de nossas saudades)
palavra
com
começo
meio
e
fim
não necessariamente nessa ordem: palavra
pavrala
vrapala
lapavra
vralapa
lavrapa
lavoura
urbano
a tv ligada dá bom dia
o site cedo me sitia
e o vento vadio ventania
no nu dilatado
da vida vazia
tudo
todo tempo parece em harmonia
o carro, o cão, o mar, o morro,
o rato, a rodovia
só a vida, quase morta
viva !
passa secundária
se revelando à revelia
Celso
Borges
Infovia
fax-modem
sílica-gel
provedor de acesso
browsers
bytes
mega bytes
100
e
200 Mz.
scanner
cd-rom
speed
pad mouse mouse
mouse
hard
windows
windows
dos
edo ram
apple apple
apple
netscape
navigator
clique next
next
way
info
next
way.
Luis Edmundo Alves
Sinfonia Imaginária
Ela põe um beijo fálico
Em minha face, lira líquida
Traz um sino de vertigem
Jubiloso sigilo
Vejo esse ganido na madrugada:
é um demônio verde a levantar meu vestido
Emudeçamos todo desassossego
Com árias dadaístas
Um canto corpóreo, partitura de agonias
O noviciado do gozo, xamanismo
Está escrito no Livro primeiro do uivo que iluminou Buda:
minha vênus profética vulvando em teu falo que confabula
O inventário do tempo
Foi comungar no Cabaré Místico
É teu verso?
Delira-mo
Sem paletó de poeta pixote
Derrama teu inaudito vinho, menino lírico
Azulei para um verde em dó maior
Encontre-me aquém do verbo
Os ciganos esconderam a Loucura
No espartilho da musa
Um piano turbulento anuncia
O êxtase dos anjos, canção apocalíptica
Sob o dossel do silêncio
Vejo-o enfim átomo
Infinito unido ao balé de meu delta
Os olhos do Sonho solfejam o delírio:
uma sinfonia imaginária para o amante metafísico
Anna Apolinário
Fonte: https://revistaacrobata.com.br/florianomartin/poesia/5-poemas-de-anna-apolinario/
“Não meta linguagem”
Hoje amanheci de poesia
mas não soube dizer,
esperei o verso cair do céu
mas ele quis continuar nuvem,
pensou que mais chuva inundaria
meus rios
bueiros
buracos
beiras,
provocaria deslizamentos,
frases orações
períodos inteiros
e viraria texto.
Entendo a condição
de nuvem do verso:
metamorfose
pode ser planta
bicho monstro gente: Deus.
chuva: apenas gota
água lama onda lágrima.
Mas enquanto durar
a estiagem,
aprendo a pilotar aviões
e a navegar nuvens.
Adriano Moura
LEITORA
DE PROUST
Proust mal lido, ou de ouvido
por fim me chega certo, pinçado
por sua leitura detida, em francês
num piscar de olhos mais rápida
quando trazido por quem conhece
para o sabor da nossa língua
o esmero daquele que descreveu
a cada folha, todas as suas nervuras
na frase serpentina que percorre
sem abrir mão de nenhum volteio
os sete volumes do tempo perdido
mas constantemente lembrado, pois
te atravessam, e, através de você
na sua tradução, que se superpõe
às outras, se transfere até a mim
Armando Freitas Filho
A noção do traço
sugerindo a presença da linha
e o manejo da agulha
sendo cadência
após cadência
no macio do pano branco
pra depois haver o risco duro de
premeditadas paisagens
onde matizes de fumaças
dizem de sustos
sortes
da palavra acorrentando-se
do desenho escapulindo entre dedos
dormentes
da pá
do pó
do pé violentando caminhos
da propalada paz de papel
dessa vontade de viver
entre-mentes,
humana-mente.
Amélia Alves
O afogado
nu
na lisura das primeiras ondas
O amante do pôr-da-so
Um deus
face ao sagrado
Um medo
face ao degredo
O afogado
dividido
entre o mar e a secura
Como se a morte fosse
a possibilidade do desejo
ou do deserto
O afogado
as algas beijam-no
Ulisses
face ao ciclope
Ninguém / musgo
O amante do sereno
O afogado
livre
não cabe
nas intenções
do gesto
ou
na perspectiva do Sábado
O afogado
agora
é o que se perpetua
no peixe
Tanussi Cardoso
hoje quero
amanhecer com os afogados
implorar que
voltem a caminhar comigo
penteá-los
como se evocasse filhos
abraçá-los
como quem pede um chamado
hoje à tarde
vou morrer com os afogados
engolir a
água que invadiu suas sebes
me arder no
sal que arranhou suas malhas
e arranhar
as minhas com o que partiu suas pedras
hoje à noite
vou salvar-me entre afogados
ler em seus
olhos alguma paz em riste
embora nas
pupilas ouça ainda
uma voz
rouca, para sempre dilatada
amanhã
estaremos todos acordados
em mar
profundo poderemos ser crustáceos
cavaremos
até chegar ao mais escuro
ninho de
pérolas e tudo será claro
para amanhã
iluminar outro afogado
que na
voragem de salvar-nos será salvo
e se unirá
ao nosso fio interminável
de corpos
sob o pôr/nascer-do-sol
e amanhã
saberemos de que é feita
esta linha
vista ao longe:
de um pouco
de água e muito de nada
lavando por
dentro o peito dos mortos
in por uma gênese do horizonte (2006)
Tradução
Dizer das
paredes: rígidas
como os
corpos que não cessam
deserrá-las,
mas não
cessam de
erguê-las
pois o tempo
é uma morada
quase
intacta –
ora se
desmonta,
ora está
refeita.
Dizer das
paredes: pálidas
como as
noites ontem brancas,
pouco a
pouco desbotadas,
quase iguais
ao mobiliário,
aos motivos,
aos retratos,
pois o tempo
é uma tintura
que se
gasta:
outra em que
se invista
será só
máscara.
Dizer das
paredes: úmidas
como as
páginas pelo rosto –
sobre a
linha encanações
perfuradas,
infiltrações
nos tijolos
das
palavras,
pois o tempo
é uma
espécie de rascunho
do que
amanhã foge ao punho.
Dizer das
paredes: versos
como as
vigas que dão força
à estrutura,
como cercas
que protegem
nossa sala,
arquitetam
nossas portas
e se soltam,
como cal,
rumo aos
quartos do sensível.
Pois o tempo
se constrói
de cimento.
E de invisível.
Dizer das
paredes: nós
como os
pronomes pessoais
do caso
incerto,
conjugados
na labuta
da
existência, pois o tempo,
mais que
sólido, é ausência,
e por isso
nos tramamos
rígidos,
pálidos, úmidos, versos:
para
preencher
nossos últimos restos.
sem repetir
a mesma lenga-lenga
de sempre:
“até que a morte nos separe”
ou “acho que
encontrei minh’alma gêmea”
e qualquer
outro papo assim, melado
que faz
diabético o mais gordo poema
sem engolir
o leite derramado
quando, à
francesa, o amor disfarça e vai
embora, eu
avisei: não faça tratos
com
estranhos, sentimentos que nos traem
nas horas em
que a gente arrisca planos
em vão e vem
o pranto, um ai-ai-ai
curta
seu love, tire uma casquinha
amar é sair
junto, ao cine e após
tomar
um ice cream numa pracinha
e nele
derreter-se, ao sol, e a sós
lembrar:
fugaz também a “rapidinha”
forjada à
noite, num motel de quinta
onde, depois
do orgasmo, o nojo, o podre
nos corpos
que se afastam, se reviram
cada um para
o seu lado, ufa, acabou-se:
“melhor pedir
a conta, amor, se vista!”
In zero ponto zero (2010)
Igor Fagundes
Fonte: http://www.mallarmargens.com/2015/05/3-poemas-de-igor-fagundes.html
profissão de peixe
para
rubervam du nascimento
em 1993 ele nadou para Santo
André
veio no Alpharrabio nos mostrar o
seu destino
1994 me fez nadar para Teresina
para falar Torquato Neto e Mário
Faustino
esse peixe de natureza nordestina
me ensinou que é possível
nadar contra a corrente
quando se quer
nem precisa cheirar
flores do mal
muito menos despetalar o
mal-me-quer
pode ter pedras no meio do
caminho
pode ter lama nas asas do avião
ou no seixo carcomido do
carrinho
que esse peixe quando se alimenta
em cajuína
tira a palavra da
rotina
e a coloca no sagrado altar da
epifania
como cronos previu que
algum dia
nadaria em águas turvas
maresia
para colocar cada poema
na dimensão de um Joice ou Dante
sendo ele nordestamente um
imigrante
nadou para mais perto do nosso
porto
singular
para que o
olho gótico possa seus inversos
no avesso alcançar
Artur Gomes
Pátria A(r )mada
www.arturgumesfulinaima.blogspot.com
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