Leila Miccolis Três poemas inéditos e poemas do livro Desfamiliares
RETRATO EM SÉPIA
São poderosas as baratas:
as mulheres têm medo delas;
os homens provam seu poderio
sobre elas (as mulheres),
matando-as (as baratas).
No entanto, são meigas.
E se tivessem tetas
amamentariam
como qualquer mãe.
ASSEIO
(Primeiro poema a Ragnar)
Quando ele volta do banho
cheirando artificial a flor,
meu gato lambe-se todo
para tirar o fedor.
PESSOAL E INTRANSFERÍVEL
Chegou a “Pequena Notável”,
de bolso, sou descartável;
mas não se deixe enganar
com o que eu posso aparentar:
se nos frascos pequeninos
há os perfumes mais finos,
é também neles que vemos
os mais terríveis venenos...
Não tenho nenhum complexo,
transo tudo, até em sexo,
eu gosto de ser assim,
ninguém esquece de mim...
Gasto pouco com feijão,
com roupa, e na condução,
— se o trocador não bronqueia —,
eu às vezes pago meia...
Por fim, tenho outra vantagem:
eu caibo em qualquer bagagem.
E quem se atreve e se enleva
vê que sou leve e me leva...
Assim, por mais que eu ande,
com minha miudez eu venho sempre a aprender
que ninguém precisa ser gente grande.
Precisa é SER!
GERAÇÃO
INDE(x)PENDENTE
Em vez de me deitar
na cama,
resolvi criar fama.
E aí comecei a fazer versos, a mendigar
editores,
como se eles fizessem grandes favores
em nos publicar...
E de tanto batalhar,
virei... poeta
— um grande passo em minha meta,
porque em poetisa todo mundo pisa.
E quando me consideraram menina prodígio,
consegui que um crítico de prestígio
analisasse minha papelada.
Ele deu uma boa folheada,
pensou, pesou e sentenciou:
— "Incrível... não tem nível..."
Juro que fiquei com muita mágoa
porque, afinal, quem precisa de nível
é caixa d'água...
NOVO AMOR
Meu coração nunca para
pra comparar, solta amarras,
vive seu tempo presente:
se ferido, em mim se ampara;
mas quando sara e se sente
contente, fica eloquente,
feito algazarra de araras.
MANCHAS
Cansada de brigar e botar banca,
num dos raros momentos de ternura,
eu hasteei minha bandeira branca
um tanto amarelada de gordura.
NOSTALGIA
Ainda há marcas do nosso idílio:
pegaste doença
e eu peguei filho.
DEVASTAÇÃO
Vêm os jovens
e escrevem nas árvores seus nomes entrelaçados;
voltam adultos
e destroem esses corações apaixonados.
TENTATIVA DE
SUICÍDIO
Foi ao toalete
e cortou os sonhos,
a gilete.
MISSÃO COMPRIDA
Você conseguiu tudo na vida:
uma grande barriga bem alimentada,
uma amante infiel
uma esposa comportada
carro do ano
filhos rebeldes ao teu jugo tirano
casa própria,
emprego com crachá
um sítio em Visconde de Mauá
um ufanista amor pelo país
tudo como manda o figurino
(de Paris).
E morrerá, cumprindo a sua parte,
de tensão ou de enfarte,
de repente,
sem nem ao menos de longe perceber
que podia ter sido diferente.
Leila Miccolis
fonte: http://revistacazemek.blogspot.com/2017/04/leila-miccolis-tres-poemas-ineditos-e.html
Descendente
de gregos e italianos, formou-se em Direito em 1969,
pela antiga Faculdade Nacional de Direito da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, tendo exercido a profissão de advogada
até 1977, quando decidiu dedicar-se exclusivamente à literatura.
Em 1983 começou
a escrever roteiros para a televisão, vindo a ser co-autora de telenovelas como Kananga do Japão (1989),
com Wilson Aguiar Filho (1951-1991),
e Barriga de Aluguel (1990),
com Glória Perez (1948).[1]
Fundou, em 1991,
com o também poeta Urhacy Faustino (1968),
seu marido, o jornal literário "Blocos",
que ganhou uma versão virtual oito anos depois. Entre 2004 e 2007,
fez o Mestrado em Ciência da Literatura (Teoria Literária) na
UFRJ. É Doutora também em Ciência da Literatura (Teoria Literária) pela
mesma Universidade.
Em 2005 ministrou
curso de extensão sobre texto televisivo na UFRJ.
É autora de três
dezenas de livros (poesia/prosa), novelas de TV, teatro, roteirista de cinema.
Tem obras publicadas em países como França, México, Colômbia, Estados Unidos e Portugal.
Tem vários poemas
com temática lésbica. Foi ativista no Grupo Auê, no Rio de
Janeiro entre 1979 e 1980, tendo chegado a coordenar um pré-EBHO
nesta cidade. Participou do "I
Concurso de Poesia Gay do Brasil",
promovido pelo Grupo Gay da Bahia em 1982,
com o poema "Teus Seios".
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