A ambiência rural, com o que
há nela de mítico, de arcaico, de arquetípico, sempre foi uma das fontes mais
fecundas da literatura brasileira, dando origem, inclusive, aos seus dois
maiores monumentos, Os sertões e o Grande sertão: veredas. Esse rico manancial
sempre se manifestou, no entanto, preferencialmente na prosa, ainda que com
alguns altíssimos momentos na nossa poesia. Os admiráveis poemas de Viração, de
Fabrício Oliveira, surgem como mais um rebento surpreendente desse tronco
prestigioso, no seu caso em estreita e comovida fusão com uma vertente
memorialística. Neles encontramos aquela espécie de necessidade de existir que
caracteriza toda a arte autêntica. Com a ajuda da força encantatória que o
vocabulário regional lhe outorga, o autor devolve a voz a seus mortos, à sua
infância, a personagens numerosos e irrecuperáveis, e ao rude cenário que os
congrega. Tal cenário do interior baiano — visceralmente brasileiro, e ao mesmo
tempo cósmico — se avizinha da aldeia de Alberto Caeiro e da cidadezinha imaginária
de Edgar Lee Masters, pois os mesmos dias e as mesmas noites se revezam sobre
todos eles.
Alexei Bueno
***
Conheça 5 poemas do
livro Viração, de Fabrício Oliveira
VIRAÇÃO
Levanto no massapê montículos
vermelhos.
Mãos nodosas me abrem candeias
de cambito e amêndoas
de cartucho, burilam
as folhas com cabo de quenga
de coco,
furtam lascas de angico
molhado.
Oxóssi dorme num jirau de
varas.
A poesia nasce
na porteira da Baraúna
feito borregos
que, nascendo,
sitiam com os olhos a
Várzea Velha
ao se cobrir de fogo.
A poesia nasce
quando estas mãos arrancam
imburanas,
sementes de mucunã
para lavarem gengivas
que sangram herpes.
Meninos mastigam andrajos,
baronesas
sentados numa ribanceira de
caroás
sob nuvens que se abrem
em garças.
O homem atrás do gibão e da
faca
atravessa, correndo, a
borrasca
sangrando sílabas
nos esteios de aroeira.
A poesia é vasta, e o pasto,
breve.
A poesia desabrocha
como aquela fria lua
que atravessa a madrugada.
E o tique-taque da chuva
desmancha na cabeceira do rio
murundus vermelhos
onde, com uma haste de
alecrim,
reescrevo o cheiro da
infância
correndo nos milharais da
Viração,
bonecando.
***
TRAVESSIA
Tresloucado, sangro pedras
para além do pórtico
do corpo
de ogum regressado
há pouco
duma oferenda na mata.
Há uma réstia de brisa
que acaricia minha face.
***
MOINHO DE SOMBRAS
Desemboco num moinho de
sombras,
vozes. Entre almas desossadas
avisto um mirante, um atabaque
e um rosto corroído pelo sol.
Ao longe, pardais cingem seus
sonhos
no tronco das árvores
queimadas.
Ante a música dos pardais sem
asas
reescrevo o mundo num curral
de ossos.
Vozes arenosas soletram nomes,
e o orvalho umedece minha tez
nesta ilha de almas – viração
onde a paisagem é um grito
lancinante,
onde a paisagem é a respiração
de pássaros que repousam em
meus ombros.
***
TAMBOR
Peixeiras anfíbias fazem
reformas
em minha carne,
gradeiam minhas têmporas,
loteiam minhas vísceras.
Minha voz é um tambor, uma
ópera
de açoites, um degredo
– e quanto mais me matam,
mais ainda
anoiteço.
***
MÚSICA INTERMINÁVEL
Minha voz, música interminável
do mundo,
cresce com as cores da
paisagem.
Um relógio goteja poeira,
barulhos.
Mas em minha casa não há
relógio,
não há paredes,
há apenas este homem vesgo
cheirando a crustáceos
e um velho sabiá recitando meu
nome
num descampado de sombras
onde facas febris gargalham
no espelho quebrado.
FABRÍCIO OLIVEIRA
Fabrício Oliveira é poeta e autor do livro de poesia Gramática das Pedras (Editora
Patuá, 2020). Nasceu em Santo Estêvão, no interior da Bahia, em 21 de maio de
1996. É licenciado em Língua Portuguesa pela Universidade Estadual de Feira de
Santana e mestrando em Estudos Literários pela mesma instituição.
CONVITE
A Diretoria da ONG Beija Flor – Casa da Solidariedade tem o
prazer e orgulho em convidar toda população de São Francisco do Itabapoana,
principalmente moradores de Gargaú, para a Inauguração da Biblioteca Bracutaia,
projeto idealizado pelo nosso Diretor de Arte Cultura, Artur Gomes, que estará presente, para um bate papo com o público,
sobre as atividades que pretendemos desenvolver na Casa.
Aproveitamos também para convidar você a conhecer a UNIASSELVI
nossa futura parceira nessa grande jornada.
https://blog.uniasselvi.com.br/
São
Francisco do Itabapoana-RJ – 27 de Abril de 2022
Luiz Cesar
- Sorriso – Ong Beija Flor – Casa da Solidariedade
Jura Secreta
Só uma coisa me entristece
O beijo de amor que eu não roubei
A jura secreta que eu não fiz
A briga de amor que eu não causei
Nada do que posso me alucina
Tanto quanto o que não fiz
Nada do que quero me suprime
Do que, por não saber, 'inda não quis
Só uma palavra me devora
Aquela que o meu coração não diz
Só o que me cega, o que me faz infeliz
É o brilho do olhar que eu não sofri
Só uma palavra me devora
Aquela que o meu coração não diz
Só o que me cega, o que me faz infeliz
É o brilho do olhar que eu não sofri
A jura secreta que não fiz
A briga de amor que eu não causei
Nada do que posso me alucina, oh
Tanto quanto o que não fiz
Nada do que quero me suprime
Do que, por não saber, 'inda não quis
Só uma palavra me devora
Aquela que o meu coração não diz
Só o que me cega, o que me faz infeliz
É o brilho do olhar que eu não sofri
Só uma palavra me devora
Aquela que o meu coração não diz, não diz
Só o que me cega, o que me faz infeliz
É o brilho do olhar que eu não sofri
Sueli Costa/Abel Silva
ouça na voz de Fagner
https://www.youtube.com/watch?v=N1FIy7eKYFM&list=RDMMN1FIy7eKYFM&start_radio=1
Jura secreta 56
ainda que fosse viagem
de metrô ou fantasia
e o assunto que eu mais queria
fosse o que não dissesse
e o mar apenas trouxesse
gaivotas sobre os cabelos
vento sol maresia
e o líquido que não bebemos
fosse conhac ou cerveja
mesmo assim a vida seja
entre o que os pelos lateja
o que a tua boca não fala
o que a tua língua não prova
e a prova das dezessete
te levasse mais cedo
inda assim não tenha medo
a palavra entre meus dedos
é o que ainda não disse
miragem essa coisa nova
agora revisitada
naquela hora marcada
de tudo o que não fizemos
Jura secreta 57
meta metáfora no poema meta
como alcançá-la plena
no impulso onde universo pulsa
no poema onde estico prumo
onde o nervo da palavra cresce
onde a linha que separa a pele
é o tecido que o teu corpo veste
como alcançá-la pluma
nessa teia que aranha tece
entre um beijo outro no mamilo
onde aquilo que a pele em prumo
rompe a linha do sentido e cresce
onde o nervo da palavra sobe
o tecido do teu corpo desce
onde a teia que o alcançar descobre
no sentido que o poema é prece
Jura
secreta 58
a carne que me cobre é fraca
a língua que me fala é faca
o olho que me olha vaca
alfa me querendo beta
juro que não sou poeta
a ninfa que me ímã
quando arquiteta
o salto da abelha
quando mel em flor
e pulsa pulsa pulsa pulsa
na matéria negra cor
quando a pele que veste é nada
éter pluma seda em pelo
quando custa estar em Arcozelo
desatar a lã dos fios do novelo
em pleno
sol de Amsterdã
desvendar Hollanda
nos mistérios da palavra
por entre o nó
dos cotovelos?
jura secreta 59
a coisa que me habita é pólvora
dinamite em ponto de explosão
o país em que habito é nunca
me verás rendido a normas
ou leis que me impeçam a fala
a rua onde trafego é amplo
atalho pra o submundo
do escavado fosso
o poço
onde mergulho é fundo
vai da pele que me cobre a carne
ao nervo mais íntimo do osso
Jura
secreta 60
qualquer
palavra eu invento
na carnadura
dos ossos
na escriDura
do éter
na
concretude do vento
na
engrenagem da sílaba
vocabulário
onde posso
dar nome
próprio ao veneno
que tem o
Agro Negócio
Jura Secreta 61
pele grafia
meus lábios em teus ouvidos
flechas netuno cupido
a faca na língua a língua na faca
a febre em patas de vaca
as unhas sujas de Lorca
cebola pré sal com pimenta
tempero sabre de fogo
na tua língua com coentro
qualquer paixão re/invento
o corpo/mar quando agita
na preamar arrebenta
espuma esperma semeia
sementes letra por letra
na bruma branca da areia
sem pensar qualquer sentido
grafito em teu corpo despido
poemas na lua cheia
Juras
secreta 62
tenho estado
entre o fio
e a navalha
perigosamente
– no limite
pulando a
cerca da fronteira
entre o teu
estado de sítio
e o meu
estado de surto
só curto a
palavra viva
odeio uma
língua morta
poema que
presta é linguagem
pratico a
SagaraNAgem
na
esquina da rua torta
Artur Gomes
do livro Juras Secretas
Editora Penalux - Guaratinguetá-SP
2018
https://secretasjuras.blogspot.com/
Com os Dentes Cravados Na Memória
te beijo vestida de nua
somente a lua te espelha
nesta lagoa vermelha
porto alegre caís do porto
barcos navios no teu corpo
os peixes brincam no teu cio
nus teus seios minhas mãos
as rendas finas que vestias
sobre os teus pêlos ficção
todos os laços dos tecidos
aquela cor do teu vestido
a pura pele agora é roupa
o sabor da tua língua
o batom da tua boca
tudo antes só promessa
agora hóstia entre os meus dentes
e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa
Jura secreta 20
não fosse o amor
essa faca de dois gumes
e o tempo que chove na janela
entre os meus e os olhos dela
alguma face no espelho
e o sangue escorrendo pelas veias
atiçando unhas e músculos
não fosse uma lâmina acesa
entre os corredores do corpo
quando a carne é brasa
e as paredes dessa casa
não separassem mais nada
quando os pulsos saltam das portas
para os porões do mais íntimo
não fosse essa lâmpada esse cálice
esse líquido pela boca tenso
quando entro pelo teu quarto
com tudo aquilo
que penso
Jura secreta 29
esfinge
o amor
não é apenas um nome
que anda por sobre a pele
um dia falo letra por letra
no outro calo fome por fome
é que a pele do teu nome
consome a flor da minha pele
cravado espinho na chaga
como marca cicatriz
eu sou ator ela esfinge:
Clarice/Beatriz:
assim vivemos cantando
fingindo que somos decentes
para esconder o sagrado
em nossos profanos segredos
se um dia falta coragem
a noite sobra do medo
é que na sombra da tatuagem
sinal enfim permanente
ficou pregando uma peça
em nosso passado presente
o nome tem seus mistérios que
se escondem sob panos
o sol é claro quando não chove
o sal é bom quando de leve
para adoçar desenganos
na língua na boca na neve
o mar que vai e vem não tem volta
o amor é a coisa mais torta
que mora lá dentro de mim
teu céu da boca é a porta
onde o poema não tem fim
Jura Secreta 31
de Dante a Chico Buarque
todos os poetas
já cantaram suas musas
Beatriz são muitas
Beatriz são quantas
Beatriz são todas
Beatriz são tantas
algumas delas na certa
também já foram cantadas
por este poeta insano e torto
pra lhes trazer o desconforto
do amor quando bandido
Beatriz são nomes
mas este de quem vos falo
não revelo o sobrenome
está no filme sagrado
na pele do acetato
na memória do retrato
Beatriz no último ato
da Divina Comédia Humana
quando deita em minha cama
e come do fruto proibido
Artur Gomes
Juras Secretas
www.secretasjuras.blogspot.com
Mundo Da Lua
verão de mil novecentos e setenta e quatro
dois olhos de mar passeavam sob a luz da luz
Dandara catara estrelas na areia
logo depois da meia noite o galo cantou
o peixe pulou nas águas da sereia
encantado com a voz que vinha
mergulhei no bosque e sangrei
a pele das solas dos sapatos
não demorou o ato do amor enquanto
que até hoje o gosto da língua trago
como um pircieng cravado
nos dentes da memória
Artur Fulinaíma
Suor & Cio
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