quarta-feira, 6 de abril de 2022

Coletânea Poetas Vivos - Thiago de Mello


FICA DECRETADO QUE O NOME E A POESIA DE THIAGO DE MELLO NUNCA e JAMAIS FICARÃO ATRELADOS AOS PENSAMENTOS CONTRÁRIOS AOS DIREITOS HUMANOS

Caros Amigos,

Vem circulando na Internet, de forma acintosa, pois sem nenhuma solicitação e permissão dos Direitos Autorais do Artista, a imagem do poeta Thiago de Mello, meu Pai, num evento literário “on line” no dia 13 de abril ao lado de um escritor, que me recuso a escrever o nome, assim como a Sociedade Organizadora, uma vez que têm postura fascista, nazista, a favor de tortura.

 

Isto é um descalabro!

Uma afronta e um desrespeito para com a vida e a obra de Thiago de Mello, um jornalista que defendeu com a própria vida seus valores de respeito e dignidade para com o ser humano. Minha mãe e meu pai lutaram pela democracia depois do golpe-civil-militar de 1964 e por isso foram perseguidos, presos, exilados por um governo de ditadura que desaparecia, matava e torturava jornalistas, médicos, políticos, professores, todos aqueles que comungavam com ideais de uma sociedade solidária, que dividisse terras e fizesse reforma agrária. Que as indústrias dividissem lucros com os operários. Dividir?  Os livros de papai FAZ ESCURO MAS EU CANTO e A CANÇÃO DO AMOR ARMADO foram queimados pela ditadura. Eu com três aninhos de idade, no colo de mamãe Lourdinha passei por um corredor de metralhadoras. Tentando refúgio na Embaixada, Thiago e Manduka, meu irmão mais velho foram detidos por militares que perguntaram um pro outro: - “Mata aqui mesmo?” O tiro não veio. Sobrevivemos.

 

Já estamos tomando todas as medidas cabíveis para a retirada do nome, da imagem e dos poemas do poeta Thiago de Mello em tal evento. Como se não bastasse a dor da partida, ter que lidar com o "aviso" de que OS ESTATUTOS DO HOMEM será lido por quem faz apologia ao nazismo.  Não é possível permitir que a filosofia da Ditadura e da Tortura homenageie Thiago.

 

Aliás, parece que este tipo de cara-de-pau está na ordem do dia: recentemente a Medalha de Mérito Indigenista foi entregue a uma turma de Ministros e ao Presidente, que, incentivam o garimpo a invadir as terras indígenas e que vetaram, em plena pandemia, a distribuição de água potável nas mesmas terras indígenas. Vou parafrasear o jornalista José Ribamar Bessa Freire que nos deu esta notícia no seu Jornal Eletrônico TAQUIPRATI: “Essas medalhas – e essa homenagem ao poeta – são como as flores enviadas ao velório dos índios por seus algozes”.

 

Isabella Thiago de Mello.

Manaus, 04 de Abril de 2022


 

Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

 

Para os que Virão

Como sei pouco, e sou pouco,
faço o pouco que me cabe
me dando inteiro.
Sabendo que não vou ver
o homem que quero ser.

Já sofri o suficiente
para não enganar a ninguém:
principalmente aos que sofrem
na própria vida, a garra
da opressão, e nem sabem.

Não tenho o sol escondido
no meu bolso de palavras.
Sou simplesmente um homem
para quem já a primeira
e desolada pessoa
do singular - foi deixando,
devagar, sofridamente
de ser, para transformar-se
- muito mais sofridamente -
na primeira e profunda pessoa
do plural.

Não importa que doa: é tempo
de avançar de mão dada
com quem vai no mesmo rumo,
mesmo que longe ainda esteja
de aprender a conjugar
o verbo amar.

É tempo sobretudo
de deixar de ser apenas
a solitária vanguarda
de nós mesmos.
Se trata de ir ao encontro.
(Dura no peito, arde a límpida
verdade dos nossos erros.)
Se trata de abrir o rumo.

Os que virão, serão povo,
e saber serão, lutando.

 

As Ensinanças da Dúvida

Tive um chão (mas já faz tempo)
todo feito de certezas
tão duras como lajedos.

Agora (o tempo é que fez)
tenho um caminho de barro
umedecido de dúvidas.

Mas nele (devagar vou)
me cresce funda a certeza
de que vale a pena o amor.

 

Faz escuro mas eu canto,
porque a manhã vai chegar.
Vem ver comigo, companheiro,
a cor do mundo mudar.
Vale a pena não dormir para esperar
a cor do mundo mudar.
Já é madrugada,
vem o sol, quero alegria,
que é para esquecer o que eu sofria.
Quem sofre fica acordado
defendendo o coração.
Vamos juntos, multidão,
trabalhar pela alegria,
amanhã é um novo dia.

 

A Fruta Aberta

Agora sei quem sou.
Sou pouco, mas sei muito,
porque sei o poder imenso
que morava comigo,
mas adormecido como um peixe grande
no fundo escuro e silencioso do rio
e que hoje é como uma árvore
plantada bem alta no meio da minha vida.

Agora sei as coisa como são.
Sei porque a água escorre meiga
e porque acalanto é o seu ruído
na noite estrelada
que se deita no chão da nova casa.
Agora sei as coisas poderosas
que valem dentro de um homem.

Aprendi contigo, amada.
Aprendi com a tua beleza,
com a macia beleza de tuas mãos,
teus longos dedos de pétalas de prata,
a ternura oceânica do teu olhar,
verde de todas as cores
e sem nenhum horizonte;
com tua pele fresca e enluarada,
a tua infância permanente,
tua sabedoria fabulária
brilhando distraída no teu rosto.

Grandes coisas simples aprendi contigo,
com o teu parentesco com os mitos mais terrestres,
com as espigas douradas no vento,
com as chuvas de verão
e com as linhas da minha mão.
Contigo aprendi
que o amor reparte
mas sobretudo acrescenta,
e a cada instante mais aprendo
com o teu jeito de andar pela cidade
como se caminhasses de mãos dadas com o ar,
com o teu gosto de erva molhada,
com a luz dos teus dentes,
tuas delicadezas secretas,
a alegria do teu amor maravilhado,
e com a tua voz radiosa
que sai da tua boca
inesperada como um arco-íris
partindo ao meio e unindo os extremos da vida,
e mostrando a verdade
como uma fruta aberta.

 

Thiago de Mello

(Sobrevoando a Cordilheira dos Andes, 1962)




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