FAÇA SOL OU FAÇA TEMPESTADE
faça sol ou faça tempestade,
meu
corpo é fechado
por esta pele negra.
faça
sol ou faça tempestade,
meu
corpo é cercado
por estes muros altos,
— currais
onde ainda se coagula
o sangue dos escravos.
faça
sol
ou
faça tempestade,
meu corpo é fechado
por esta pele negra.
PARA UM NEGRO
para um
negro
a cor da
pele
é uma sombra
muitas vezes
mais forte
que um soco.
para um
negro
a cor da
pele
é uma faca
que atinge
muito mais
em cheio
o coração.
EU, PÁSSARO PRETO
eu,
pássaro preto,
cicatrizo
queimaduras de ferro em brasa,
fecho o corpo de escravo fugido
e
monto guarda
na porta dos quilombos.
NEGRO FORRO
minha carta
de alforria
não me deu
fazendas,
nem dinheiro
no banco,
nem bigodes
retorcidos.
minha carta
de alforria
costurou
meus passos
aos
corredores da noite
de minha
pele.
PRETO DE
ALMA BRANCA
LIGEIRAS
CONCEITUALIZAÇÕES
o preto de alma branca
e seu saco de capacho.
o preto de alma branca
e seus culhões de cachorro.
o preto de alma branca
e sua cor de camaleão.
o preto de alma branca
e o seu sujar na entrada.
o preto de alma branca
e o seu cagar na saída.
o preto de alma branca
e o seu sangue de barata.
cada vez mais distante
do corpo da Grande Mãe-África.
§
Agora
É hora
de amolar a foice
e cortar o pescoço do cão.
— Não deixar que ele rosne
nos quintais
da África.
É hora
de sair do gueto/eito
senzala
e vir para a sala
— nosso lugar é junto ao Sol.
§
Comensais
A minha pele negra
servida em fatias
em luxuosas mesas de jacarandá,
a senhores de punhos rendados
há 500 anos.
§
Limite
e quando a palavra
apodrece
num corredor
de sílabas ininteligíveis.
e quando a palavra
mofa
num canto-cárcere
do cansaço diário.
e quanto a palavra
assume o fosco
ou o incolor da hipocrisia.
e quando a palavra
é fuga
em sua própria armadilha.
e quando a palavra
é furada
em sua própria efígie.
a palavra
sem vestimenta,
nua,
desincorporada.
§
Das biografias (1)
em negro
teceram-me a pele.
enormes correntes
amarram-me ao tronco
de uma Nova África.
carrego comigo
a sombra de longos muros
tentando impedir
que meus pés
cheguem ao final
dos caminhos.
mas o meu sangue
está cada vez mais forte,
tão forte quanto as imensas pedras
que os meus avós carregaram
para edificar os palácios dos reis .
§
Encantamento
Você agora
é arco-íris
sol
de Três Barras
cristal
de São Gonçalo do Rio das Pedras
- Um caminhão transporta estrelas
do Pico do Itambé
- Um raio corta de fora a fora
os céus do Serro
§
Poemas da morte de um pai
a José Ferreira dos Reis (1905 - 1988)
- Que cesse o barulho das enxadas,
das cantigas de eito
- que a madrinha da tropa
interrompa o curso
de seus passos
em territórios do Serro,
Santo Antônio do Itambé,
Baguari, Folha Larga,
Itapanhoacanga
e São Miguel & Almas de Guanhães.
E José,
novamente menino,
descalço, chapeuzinho de palha,
aguilhada na mão
a se encontrar
com seu Teodoro da Fazenda.
§
Zumbi
Eu-Zumbi
Rei de Palmares
tenho terreiros e tambores
e danço a dança do Sol.
Eu-Zumbi enfrento o vento
que ainda tarda
dessas cartas de alforria.
Eu-Zumbi jogo por terra
a caneta de ouro
de todas as Leis-Áureas.
Eu-Zumbi
Rei de Palmares
Tenho terreiros
e tambores
e danço a dança do Sol.
Adão Ventura Ferreira Reis nasceu
em Santo Antonio do Itambé, Distrito do Serro, MG, em 1946. Advogado, formado
pela Universidade Federal de Minas Gerais, autor de livros de poesia, sendo os
primeiros: Abrir-se um abutre ou mesmo depois de deduzir dele o azul,(Belo
Horizonte: Edições Oficina, 1970), As musculaturas do Arco do Triunfo (Belo
Horizonte: Editora Comunicação, 1976). Já participou de antologias poéticas em
vários países. Teve um de seus poemas incluído na antologia Os Cem Melhores
Poemas Brasileiros do Século, organizada por Italo Moriconi ( Editora Objetiva
- SP).
Fulinaíma MultiProjetos
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