A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
a história de uma estrela
que não tinha namorado.
Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!
Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava pra ela,
e toda a luz que ela tinha
cabia numa janela.
A lua ficou tão triste
com aquela história de amor
que até hoje a lua insiste:
— Amanheça, por favor!
A Vida é as vacas
Que você coloca no rio
Para atrair as piranhas
Enquanto a boiada
passa
Adminimistério
Ali
ali
só
ali
se
se alice
ali se visse
quanto alice viu
e não disse
se ali
ali se dissesse
quanta palavra
veio e não desce
ali
bem ali
dentro da alice
só alice
com alice
ali se parece
amor, então,
também acaba?
não, que eu saiba.
o que eu sei é que transforma
numa matéria prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
ou em rima
Aqui nessa pedra
Alguém sentou
Para olhar o mar
O mar não parou pra ser olhado
Foi mar para tudo enquanto é lado
Aviso aos náufragos
Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho,
muito depois de caída.
Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda.
Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
um dia, esta página, papiro,
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialetos da Índia,
vai ter que dizer bom-dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
Não e assim que é a vida?
Bem no fundo
Contranarciso
em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas
o outro
que há em mim
é você
você
e você
assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós
Paulo Leminski
Paulo Leminski
(1944-1989) foi um poeta, escritor, tradutor e professor brasileiro. Fez uma
poesia sem compromisso, destacou-se com “Catatau”, obra “maldita” marcada por
exacerbado experimentalismo linguístico e narrativo.
Paulo Leminski Filho nasceu em Curitiba, Paraná, no
dia 24 de agosto de 1944. Era filho de Paulo Leminski, militar de origem
polonesa, e Áurea Pereira Mendes, de descendência africana.
Com 12 anos, Paulo ingressou no Mosteiro de São
Bento, em São Paulo, onde estudou latim, teologia, filosofia e literatura
clássica.
Em 1963, abandonou o Mosteiro, e nesse mesmo ano
foi para Belo Horizonte onde participou da Semana Nacional de Poesia de
Vanguarda, quando conheceu Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de
Campos, criadores da Poesia Concreta.
Em 1964, publicou seu primeiro poema na revista
“Invenção”, editada pelos concretistas. Nesse mesmo ano, assume o cargo de
professor de História e Redação em cursinhos pré-vestibulares.
Publicava seus textos em revistas alternativas,
antológicas do tempo marginal, como “Muda”, “Código” e “Qorpo Estranho”,
segundo ele mesmo, publicações que consagraram grande parte da produção dos
anos 70.
Fulinaíma MultiProjetos
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