queima de arquivo
o que daqui se desenrola:
fio tenso
p___a___v___i___o
até a dinamite
do passado
perdida num século
explosivo por si
mesmo, combustível
fóssil da memória
que abre
a brecha
no lacre dos
calendários por
onde os estilhaços
passam
até atingir
e incinerar
a carne do seu
pensamento, ferida
que lateja quando reflete
a própria imagem
em sua contra-
face, a paisagem,
escombro.
Nuno Rau
fonte: https://revistaacrobata.com.br/demetrios/poesia/4-poemas-de-nuno-rau
autorretrato com colar de espinhos e colibri
[sil guimarães]
carmem madalena flor hermafrodita
mulher e amásia de joão estanislau
pintor de paredes vizinho de barraco
na favela da ventosa belzonte mg
portador de moléstia séria:
furor nos testículos oh carma meu
carmencita carmita carmamarga
madrasta de seis sobrinhos aflitos
dos mamilos apodrecidos
do útero-deserto-áspero
da alma imutável hematoma
do corpocarneviva carmim
desenganada pelo médico do posto de saúde
abro os olhos afasto borboletas e mariposas
yo soy frita: o amor avis rara passou
sem remédio que cure mi obsesión [ser el única]
só a passagem de ida para o ceará: jericoacora
"espero que la marcha sea feliz y espero no volver"
[ imagem camila fontenele de miranda ]
“Se eu te encontrar, mulher/e me comeres."
Romério Rômulo
De Clarice a Drummond
Não há remédio para a dor da vida
Nem emplastro para melancolia
Tudo se revela, mesmo à revelia
Inútil esconder o que todos já sabiam
sob o sol que se encolhe sobre a
areia
Sob a lua que penetra a maresia
De Clarice a Drummond
A prosa não enxerga a poesia
Sob os risos, sob o brilho dos
olhares
Há muita solidão se embriagando
Toda alegria que exibes pelos bares
untada sobre a canga à beira-mar
É máscara, é máscara, é máscara
Sobre a cara má que queres ocultar.
De Clarice a Drummond
A prosa não enxerga a poesia
Eu sei, minha princesa, não me
enganas
És como o cheiro ruim de creolina
Ao rés do chão, aos pés dos edifícios
Onde o mendigo deita a sua urina
À noite, ao relento, sob o frio
Alheio à Momo e toda purpurina.
De Clarice a Drummond
A prosa não enxerga a poesia
És como aquela velha que lamenta
A vida que perdeu na Estudantina
Como o pivete que já não se aguenta
De fome, de pancada, a sua sina
Eu sei, ó princesinha, a chapa
esquenta
Atrás de ti, concreta e vil cortina.
De Clarice a Drummond
A prosa não enxerga a poesia
Bacana é a face que apresentas
De sol, de mar, de samba e de alegria
Mas meu coração não se contenta
Com a capa de aparência que te guia
E quando me despeço de Clarice
e busco no outro lado a poesia
eu vejo o quanto choras, em silêncio,
banhada pela tua espuma fria
Leonardo Almeida Filho (LAF)
Não
não serei o último poeta
alemão – como foi Brecht
Não serei nem mesmo
o último poeta – eu
que sequer sou alemão
Eu sou apenas
um corpo perdido
no meio na multidão –
quem sabe um dia
outros peixes vão formar
junto comigo
um tubarão
Bernardo Caldeira
a página marinha [excerto]
“e enquanto você lê/ o mar está
virando suas
páginas escuras,/ virando/ suas páginas escuras”
Denise Levertov
~ /quatro ~
~ ( o labirinto intramarino ~ tremeluzindo
espelhos vivos ~ de vincos cor de vinho
~ murmúrios / marulho ) ~ o mar possui cristas
dorsais, que eriça ~ seus ladrilhos são
incorpóreos menires sob a fossa abissal ~
há cariátides de cristal decorando os
recônditos de seu salão principal ~ ( iemojah,
rainha dos redemoinhos ~ iemanjá manejando
jangadas
na encruzilhada das águas) ~ há um pomar esquecido,
de astrolábios outrora dourados, agora tão
corroídos ~ náufraga morada dos astros ~ de uma
mínima astronomia de ostras / se estrelas-marinhas
são sóis irrisórios ~ nebulosas mergulham / e
polvos retorcem seus tentáculos constelares ) ~
penhasco
assoalho visitado às bordas do fiorde
suas escarpas de basalto | o espaço
entre o ar e o mar embaixo que quase
julgaríamos raso | hirtas suas afiadas
bordas | símiles às de uma faca
árabe ( arqueada ( cimitarra
| o que as navalhas da erosão
erigem é este grupo de rochedos
pouco a pouco sendo degolado
assim o penhasco largo | vasto:
ponto turístico para narcisos
e suicidas | amplo plenário de
pedra d’onde se observa o sol
nascer | ou se pôr | platô sólido
observatório possível | existe
essa muralha terrena | pesaroso
mármore erguido| lugar de uma
solidão extrema | avizinhando o
mar triste a esse chão de limites
Alexandre Guarnieri
fonte: https://revistagueto.com/2018/09/13/cinco-poemas-de-alexandre-guarnieri/
Oroborus
Ao meio dia um galo branco cantou
em minha janela
nesse instante fiquei a pensar na
palavra deus e se ao meu modo creio o mundo é feito de palavras
esse deus pertence a quem o escreve
e a quem lhe inventa o momento
primeiro
e lhe dá forma e lhe diz do
derradeiro
esse canto ao meio dia desse dia
em que eu assim como o galo
desaprendi a língua dos relógios
me fez lembrar de que eu esqueci o
nome dos dias e dos meses
e me fez querer desinventar este ano
que termina na palavra vinte
e me fez pensar na palavra deus
e no desejo de caminhar no rastro do
começo
lá onde tudo era nu e sem nome
no chão do princípio onde irrompe a
luz
na dobra do que nem era tempo
na quebra do silêncio
acordei hoje ao canto desse galo
branco
ao meio desse dia de palavra
calendária inventada e escrita pelo humano
e fiquei a pensar que tudo que
sabemos
é o tudo que lembramos
ou é o tudo que lembraram por nós
assim sabemos quando lembramos do
salmo escrito por um ancião que nem nasceu
ou lembramos de um continente que já
foi mar ou lembramos da corredeira de um rio que já secou ou lembramos de uma
língua que já morreu
um galo branco em minha janela cantou
me acordou e me fez pensar na palavra
deus
e na palavra tempo
esse tempo-deus uma palavra
escrita em linhas de sombras
esse deus erguido e fechado em
oroborus palavra que vinga – retorna e nos aprisiona no tempo do sem fim
dessa aldeia circunscrita ao verbo
Wanda Monteiro
quanto mais me re-par-to
muito mais me mul-ti-pli-co
pastor de andrade
fedeika lispector
gigi mocidade
federico Baudelaire
rúbia querubim
federika bezerra
eugênio mallarè
parabolicamará minha antena parabólica fio terra para minhas intervenções intragaláticas nas multi-i-transversais relações humanas para o planeta que virá
Artur Gomes
o criador das mutltitransações fulinaímicas
www.fulinaimagens.blogspot.com
Personas ArturiAnas
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