TROPICÁLIA
Moïse Kabagambe
– refugiado do Congo
e da dor. Cruzou o mar
em busca de um colo
nos braços abertos
do Redentor – morreu espancado
por cobrar seu salário
na cidade de encantos mil.
Amanhã terá sido
uma velha notícia
nas páginas amassadas
de algum jornal do Brasil.
No país das Tropicálias
Bernardo
Caldeira
quem fala que sou esquisito hermético
é porque não dou sopa estou sempre
elétrico
nada que se aproxima nada me é
estranho
fulano
sicrano beltrano
seja pedra seja planta seja bicho
seja humano
quando quero saber o que ocorre à
minha volta
ligo a tomada abro a janela escancaro
a porta
experimento invento tudo nunca jamais
me iludo
quero crer no que vem por aí beco
escuro
me iludo passado presente futuro
urro arre i urro
viro balanço reviro na palma da mão o
dado
futuro
presente passado
tudo sentir total é chave de ouro do
meu jogo
é fósforo que acende o fogo de minha
mais alta razão
e na sequência de diferentes naipes
quem
fala de mim tem paixão
___________________________________________
[olho de lince | waly salomão]
Img. Xando Pereira
fonte: Jussara Salazar
Quando leio Mário Faustino o espírito
sempre entra numa grande transa um "estado
de poesia". Em 1983 depois
da criação da Mostra Visual de Poesia
Brasileira, o meu mergulho na sua obra se tornou intenso, e acabei em
diversos momentos levando seus poemas para o repertório das minhas
performances.
Esse post do Lau Siqueira com VIDA TODA LINGUAGEM me levou a belas lembranças da minha querida e saudosa amiga Wilma Lima, da cidade de Santo André e do Alpharrabio, espaço onde por muitas vezes levei pra fala os seus poemas.
VIDA TODA LINGUAGEM
Vida toda linguagem,
frase perfeita sempre, talvez verso,
geralmente sem qualquer adjetivo,
coluna sem ornamento, geralmente
partida.
Vida toda linguagem,
há entretanto um verbo, um verbo
sempre, e um nome
aqui, ali, assegurando a perfeição
eterna do período, talvez verso,
talvez interjetivo, verso, verso.
Vida toda linguagem,
feto sugando em língua compassiva
o sangue que criança espalhará – oh
metáfora ativa!
leite jorrado em fonte adolescente,
sêmen de homens maduros, verbo,
verbo.
Vida toda linguagem,
bem o conhecem velhos que repetem,
contra negras janelas, cintilantes
imagens
que lhes estrelam turvas trajetórias
Vida toda linguagem –
como
todos sabemos
conjugar esses verbos, nomear
esses nomes:
amar, fazer, destruir,
homem, mulher e besta, diabo e anjo
e deus talvez, e nada.
Vida toda linguagem,
vida sempre perfeita,
imperfeitos somente os vocábulos
mortos
com que um homem jovem, nos terraços
do inverno,
/ contra a chuva,
tenta fazê-la eterna – como se lhe
faltasse
outra, imortal sintaxe
à vida que é perfeita
língua
eterna.
(Mário Faustino)
O Homem Com A Flor Na Boca
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