quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

coletânea poetas vivos - Tchello d´Barros

 

Tchello d`Barros - foto divulgação: Vanessa Angelo

ECONOMIZE-ME

 

Não vai fazer diferença

A depreciação do câmbio

Pelo superávit primário

Nem a fuga de dólares

Com o boom das commodities

Ou o investimento flutuante

Em derivativos de debêntures

Para a catadora de sururu

Lá no mangue lamacento

Que amamenta sua criança

Quando baixa a maré

 

Não vai fazer diferença

A orçamentação cambial

Dos ativos de alta liquidez

Nem a alíquota dos lucros

Pelas tarifas alfandegárias

Ou a insolvência desvinculada

Da receita da união

Para o cortador de cana

Que morre de exaustão

Antes de completar

Seus trinta e cinco anos 

 

Não vai fazer diferença

A regulação patrimonial

Na desmobilização de risco

Nem a matriz econômica

Pela desvalorização indexada

Ou a rentabilidade da plutocracia

Com a balança comercial

Para o garoto desmilinguido

Que não vai mais à aula

E como flanelinha

Ganha o pão de cada dia

 

Não vai fazer diferença

A debacle da renúncia fiscal

Nos organismos multilaterais

Nem o colapso rentista

Via títulos pré-fixados

Ou o imperativo da capitalização

Pelo oportuno swap cambial

Para o velho coletador

De materiais recicláveis

Imerso nos imundos monturos

Do depósito de lixo municipal

 

Não vai fazer diferença

O novo cálculo atuarial

E seu déficit insolvente

Nem a revogação tributária

Pelo pacto da taxa Selic

Ou o tripé macroeconômico

No epicentro do capitalismo

Para as meninas esfomeadas

Oriundas da periferia

Que furtivamente colhem restos

Na xepa do final da feira

 

Não vai fazer diferença...


poema visual - CÓPIA DA CORNUCÓPIA


  VER OS OLHOS DE QUEM VÊ

 

A pintora Deia Brêtas

Nunca se considerou

Artista surrealista

Embora de vez em quando

Deste rebuscado epíteto

Ela fosse referida

 

Dizia-se só pintora

De óleos sobre tela

E assim o atelier

Viu a artista iniciar

A preparação das tintas

Para mais um de seus quadros

 

Misturou bem os pigmentos

Em alquimia cromática

E belas tonalidades

Para cores terciárias

Que teriam a função

De plasmar no alto do quadro

Sol e céu em tom cerúleo

 

Mas as cerdas dos pincéis

Feitos de pelos de marta

Lambuzaram-se na tinta

Deslizaram pela tela

Criando nessa paisagem

Mil montanhas de cristais

 

Sobre a tela de algodão

Em pleno terceiro plano

Arquiteturas oníricas

De uma alegre cidade

Que lembrava um grande circo

Ou parque de diversões

 

 

Essa paleta de cores

Que deu vida à pintura

Parecia com mandalas

Lá dos monges tibetanos

Mas houve quem visse nisso

Ter a ver com cogumelos

 

Na composição da imagem

Havia em segundo plano

Uma divertida festa

Na praça desse lugar

Com muitas danças e jogos

Diversão de toda gente

 

E as pinceladas mostravam

Agora em primeiro plano

Cem casais enamorados

Beijavam-se apaixonados

Em cenas ruborizantes

Aos olhares mais pudicos

 

Na textura da pintura

Brilhavam tantos detalhes

No cruzamento das linhas

Nos matizes e nuances

Até o ponto de fuga

Se mudava de lugar

 

No dia da exposição

Essa obra tão diferente

Dividiu opiniões

Era um quadro realista

Opinava um marchand

Ao examinar a tela

 

Eis uma obra naïve

Comentou um curador

Ao passo que um galerista

Disse ser de arte abstrata

Já que ninguém concordava

Na obra que estavam vendo

 

E viam de tudo um pouco

Anjos fadas e demônios

Dez tribos de hotentotes

Ou pares de nudibrânquios

Rios de lava escarlates

Ou borboletas monarcas

 

E a artista em silêncio

Parecia a Monalisa

Ela sorria por dentro

Com tantas opiniões

Sobre a obra tão polêmica

Na noite do vernissage

 

Mas um humilde garçom  

Sem nada entender de arte

Mirou fixamente o quadro

E sendo apenas sincero

Disse-lhe ao servir um vinho:

- Parabéns por seu retrato!



VISITA-GUIADA NA ESTRANHA EXPOSIÇÃO

DE FOTOGRAFIAS SURREALISTAS

DO MISTERIOSO CALIXTO ARROXELAS

 

Primeira fotografia:

Há uma esfinge estática

Em rija pose arquetípica

Com seu olhar metafísico

E um semblante enigmático

Tão mágico quanto místico

 

Segunda fotografia:

Consta um mago demiurgo

Dois sóis nascem em seus olhos

E os relâmpagos da língua

Em mantras de trovoadas

Ribombam na paisagem

 

Terceira fotografia:

Miríades indeléveis

De roxas serpes aladas

Dançam sinuosamente

Nas centelhas inefáveis

Que fulgem de totens de luz

 

Na quarta fotografia:

O mapa de um labirinto

De tulipas violetas

Rutilando crepitante

Em sublime sinfonia

Numa pele virginal

 

Na quinta fotografia:

Um par de musas diáfanas

Banha-se languidamente

No rubro magma vulcânico

Em mil êxtases de eflúvios

Quase sacros tão profanos

 

Na sexta fotografia:

Um pássaro violáceo

Em seu voo circundante

Sobre o povo em cortejo

E oráculos de epifanias

Bendizendo alumbramentos

 

Sétima fotografia:

De uma romã aberta

Afluem rios de neon

Cujas águas purpúreas

Seguem no rumo do céu

                            Um horizonte infinito


poema visual - VOCÊ NÃO ESTÁ AQUI


                       Tchello d`Barros

 

 Tchello d'Barros vive no Rio de Janeiro. Publicou 7 livros e possui textos veiculados em mais de 100 coletâneas, antologias e didáticos. Suas criações visuais já participaram de cerca de 150 exposições, com visitas presenciais aos mais de 20 países em que seu trabalho foi exposto/publicado. Ministra oficinas literárias, dedica-se a produções audiovisuais e à itinerância de seu projeto multimídia de Poesia Visual “Convergências”.




Poéticas ArturiAnas

www.arturkabrunco.blogspot.com

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