ECONOMIZE-ME
Não
vai fazer diferença
A
depreciação do câmbio
Pelo superávit primário
Nem
a fuga de dólares
Com
o boom das commodities
Ou
o investimento flutuante
Em
derivativos de debêntures
Para
a catadora de sururu
Lá
no mangue lamacento
Que
amamenta sua criança
Quando
baixa a maré
Não
vai fazer diferença
A
orçamentação cambial
Dos
ativos de alta liquidez
Nem
a alíquota dos lucros
Pelas
tarifas alfandegárias
Ou
a insolvência desvinculada
Da
receita da união
Para
o cortador de cana
Que
morre de exaustão
Antes
de completar
Seus
trinta e cinco anos
Não
vai fazer diferença
A
regulação patrimonial
Na
desmobilização de risco
Nem
a matriz econômica
Pela
desvalorização indexada
Ou
a rentabilidade da plutocracia
Com
a balança comercial
Para
o garoto desmilinguido
Que
não vai mais à aula
E
como flanelinha
Ganha
o pão de cada dia
Não
vai fazer diferença
A
debacle da renúncia fiscal
Nos
organismos multilaterais
Nem
o colapso rentista
Via
títulos pré-fixados
Ou
o imperativo da capitalização
Pelo
oportuno swap cambial
Para
o velho coletador
De
materiais recicláveis
Imerso
nos imundos monturos
Do
depósito de lixo municipal
Não
vai fazer diferença
O
novo cálculo atuarial
E
seu déficit insolvente
Nem
a revogação tributária
Pelo
pacto da taxa Selic
Ou
o tripé macroeconômico
No
epicentro do capitalismo
Para
as meninas esfomeadas
Oriundas
da periferia
Que
furtivamente colhem restos
Na
xepa do final da feira
Não
vai fazer diferença...
VER OS OLHOS DE QUEM VÊ
A
pintora Deia Brêtas
Nunca
se considerou
Artista
surrealista
Embora
de vez em quando
Deste
rebuscado epíteto
Ela
fosse referida
Dizia-se
só pintora
De
óleos sobre tela
E
assim o atelier
Viu
a artista iniciar
A
preparação das tintas
Para
mais um de seus quadros
Misturou
bem os pigmentos
Em
alquimia cromática
E
belas tonalidades
Para
cores terciárias
Que
teriam a função
De
plasmar no alto do quadro
Sol
e céu em tom cerúleo
Mas
as cerdas dos pincéis
Feitos
de pelos de marta
Lambuzaram-se
na tinta
Deslizaram
pela tela
Criando
nessa paisagem
Mil
montanhas de cristais
Sobre
a tela de algodão
Em
pleno terceiro plano
Arquiteturas
oníricas
De
uma alegre cidade
Que
lembrava um grande circo
Ou
parque de diversões
Essa
paleta de cores
Que
deu vida à pintura
Parecia
com mandalas
Lá
dos monges tibetanos
Mas
houve quem visse nisso
Ter
a ver com cogumelos
Na
composição da imagem
Havia
em segundo plano
Uma
divertida festa
Na
praça desse lugar
Com
muitas danças e jogos
Diversão
de toda gente
E
as pinceladas mostravam
Agora
em primeiro plano
Cem
casais enamorados
Beijavam-se
apaixonados
Em
cenas ruborizantes
Aos
olhares mais pudicos
Na
textura da pintura
Brilhavam
tantos detalhes
No
cruzamento das linhas
Nos
matizes e nuances
Até
o ponto de fuga
Se
mudava de lugar
No
dia da exposição
Essa
obra tão diferente
Dividiu
opiniões
Era
um quadro realista
Opinava
um marchand
Ao
examinar a tela
Eis
uma obra naïve
Comentou
um curador
Ao
passo que um galerista
Disse
ser de arte abstrata
Já
que ninguém concordava
Na
obra que estavam vendo
E
viam de tudo um pouco
Anjos
fadas e demônios
Dez
tribos de hotentotes
Ou
pares de nudibrânquios
Rios
de lava escarlates
Ou
borboletas monarcas
E
a artista em silêncio
Parecia
a Monalisa
Ela
sorria por dentro
Com
tantas opiniões
Sobre
a obra tão polêmica
Na
noite do vernissage
Mas
um humilde garçom
Sem
nada entender de arte
Mirou
fixamente o quadro
E
sendo apenas sincero
Disse-lhe
ao servir um vinho:
-
Parabéns por seu retrato!
VISITA-GUIADA NA ESTRANHA EXPOSIÇÃO
DE
FOTOGRAFIAS SURREALISTAS
DO
MISTERIOSO CALIXTO ARROXELAS
Primeira fotografia:
Há uma esfinge estática
Em rija pose arquetípica
Com seu olhar metafísico
E um semblante enigmático
Tão mágico quanto místico
Segunda fotografia:
Consta um mago demiurgo
Dois sóis nascem em seus olhos
E os relâmpagos da língua
Em mantras de trovoadas
Ribombam na paisagem
Terceira fotografia:
Miríades indeléveis
De roxas serpes aladas
Dançam sinuosamente
Nas centelhas inefáveis
Que fulgem de totens de luz
Na quarta fotografia:
O mapa de um labirinto
De tulipas violetas
Rutilando crepitante
Em sublime sinfonia
Numa pele virginal
Na quinta fotografia:
Um par de musas diáfanas
Banha-se languidamente
No rubro magma vulcânico
Em mil êxtases de eflúvios
Quase sacros tão profanos
Na sexta fotografia:
Um pássaro violáceo
Em seu voo circundante
Sobre o povo em cortejo
E oráculos de epifanias
Bendizendo alumbramentos
Sétima fotografia:
De uma romã aberta
Afluem rios de neon
Cujas águas purpúreas
Seguem no rumo do céu
Um horizonte infinito
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