sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

coletânea poetas vivos - Rubens Jardim


Todas as coisas sozinhas

Um cinzeiro
Um prato
Um copo
Um corpo
São uma tragédia.
Não aquela, dos gregos:
Ésquilo, Eurípedes, Sofócles.
Mas quando um cinzeiro
Não é limpo, quando um
Prato não é lavado,
Quando um copo é abandonado
E um corpo não é celebrado
Indícios da tragédia são mostrados.
E é por isso que os deuses fecham 
Suas bocas e são silenciosos 
Como um quadro.
Por acaso, você já viu
Ou sentiu em uma casa abandonada
A manifestação do pó?
Já passaste a mão em uma colher
No dia seguinte? Já tiveste a emoção 
De lavar os talheres de uma noite
De celebração?
Pois é: tudo isso é noite. 
Tudo isso é névoa.
Tudo isso é neblina.
E é tragédia.


AO POETA IESSIÊNIN

Talvez eu tenha ingerido mais vodka do que você,
camarada Iessênin.
Mas isso só foi possível porque eu desisti
de me matar.
Nem sei como isso aconteceu:
mas desisti
e continuei a viver.
É claro que carregando
mais doses e mais dores.
E me encantando com a flor sozinha
na montanha.
Tudo dissolvido em vodka,
lágrima,
espanto.
Sinto que a vida,
a minha,
e de todos os meus amigos,
está perto de uma tragédia
instantânea.
É certo: os deuses morreram
e eu mesmo não estou nada bem.
Diante desse vasto mundo
minha vida não tem nenhum sentido,
nenhuma importância.
Por isso vou apertar o gatilho 
da palavra
Vou embora

MALLARMEANDO

Um lance de dados
Jamais abolirá o acaso
E se é por acaso
Lance os dados!

RETRATO

Até que enfim
Não dei em nada
Dei em mim

BAGAGEM


Na mochila ou na valise
a rigidez das fronteiras
é uma ordem. Desobedeça.


MUTAÇÃO

Mudamos de rua
mas não mudamos de hábito.
Mudamos de casa
de bairro
de município.
Algumas vezes mudamos
de país
de língua
de ofício
e lá dentro tudo continua
igual.

O que é preciso fazer
para desvencilhar-se de si mesmo?

 

Rubens Jardim

Poeta, Jornalista – organizador da coletânea As Mulheres Poetas  Na Literatura Brasileira – lançamento presencial dia 8 de março na Patuscada – São Paulo - Promoveu e organizou o ANO JORGE DE LIMA em 1973, em comemoração aos 80 anos do nascimento do poeta, evento que contou com o apoio de Carlos Drummond de Andrade, Menotti del Pichia, Cassiano Ricardo, Raduan Nassar e outras figuras importantes da literatura do Brasil. Organizou e publicou JORGE, 8O ANOS (uma espécie de iniciação à parte menos conhecida e divulgada da obra do poeta alagoano). Fez parte do Catequese Poética, movimento iniciado por Lindolf Bell em 1964 com o objetivo de tirar a poesia das gavetas, tornando-a mais acessível através de apresentações, declamações, conferências e debates nas ruas e em universidades. No início o palco era a praça, pois dali extraía-se o pedestre de seu rumo anônimo e indeterminado, reavivando sua condição de homem, cidadão. Como prova desta identidade humana, anos depois Milton Nascimento passou a cantar “o artista tem que ir aonde o povo está”.



Pátria A(r)mada

www.arturgumesfulinaima@gmail.com 

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