sexta-feira, 19 de novembro de 2021

uma pausa na luta

 


                                                                  manguezal

                                      à Norma Crud Maciel

 

árvores¿ espectros que cravam garras

no solo tal qual imóveis aranhas

ramos retortos que lançam amarras

a construir devagar formas estranhas

 

colonos zelosos com suas plântulas

em marcha tardonha na lama quente.

 

rizóforos como imensas tarântulas,

lançando tentáculos lentamente.

 

pneumatóforos, raízes aéreas,

candelabro invertido, kendela.

ruídos soturnos, rios-artérias

paisagem de terror, embora bela.




                       a sabedoria dos manguezais

                    À Yara Schaeffer-Novelli

 

navegar milênios a fio,

semeando filhos na terra de cada porto,

é a tua fecundidade.

tentar caminhos por oceanos e continentes

é a tua paciência.

reconhecer os limites da natureza

é a tua sabedoria.

adaptar-se aos matizes do mundo

é a tua flexibilidade.

oferecer espaço e alimento

aos que buscam asilo e padecem fome

é a tua generosidade.

ressurgir sempre que cessam

os golpes de teus inimigos

é a tua vitalidade.

revelar incansavelmente segredos ocultos

é o teu mistério.


mangue fêmea

                                  para Rosa Maria

 

durante anos,

julguei-te apenas homem

pela potência

em fecundar a terra.

durante anos,

supus-te somente pai protetor

a acolher os teus alheios filhos.

certo dia, porém, um cheiro exalado

de tuas entranhas provocou forte excitação

em minha virilidade.

evocava mulher, à minha memória sexual.

era cheiro de ferro-óxid0.

era cheiro de sangue pisado.

era cheiro de mênstruo.

nova revelação:

fecundas mas é fecundado;

és pai e mãe;

és macho e fêmea.

hermafrodita, o que porém me fascina

é a tua face feminina.

é a tua sedução fescinina.

 

Arthur Soffiati

In O Direito E O Avesso Do Mangue

Poemas - 1999

fotos: Artur Gomes - Manguezal de Guaxindiba - 2017



rio amazonas

 

I

 

mormaço da tarde o rio

               [segue

os homens  

 

refúgio nos barcos

 

as mulheres

               [banham

 

botos brincam na beira

 

II

 

o rio corre sem volta

                 [ao mar

restos de floresta

              [na correnteza

a ilha permanece

 

                                           alexandre barbalho

 

uma pausa na luta

manoel ricardo lima

[org.]     mórula editorial




NAÇÃO GOITACÁ

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