De
Temer a Morte
Carolina
Rieger
Dueto
21. Chão
3.
Um uivo
4.
Ao
covarde
5.
Apolínea
6.
O gelo
7.
Tecelã
8.
Salário
9.
O dono
10.
Mulher
11.
Mordaça
12.
Te
silencio
13.
O canto
invernal
14.
Vigiar
15.
Moinho de
sonhos
16.
Freedom
17.
De sonhos
nas mãos
18.
Por Deus,
João
19.
Passagem
21.
Entorpecimento
22.
Mea culpa
23.
11 de
setembro
24.
Ao fim da
oração
25.
Unidade
26.
Mar
bravio
27.
Guerra
28.
Cidade
pétrea
29.
A fome e
a sanha
30.
Espírito
do tempo
31.
Imperativo
intercambiável
32.
Cacos
33.
O que
resta do trágico
35.
Na lama
36.
As mulheres
e suas crianças
37.
Guetos
Todavia, deixarei estas páginas -
porque quero datar a minha cólera.
Fogachos – Charles Baudelaire.
De Temer
Parte I
Dueto
o vento zomba da carne
espanca a pele e a anca
rasga à navalha a pelanca
o vento zumbe na cara
e esbraveja no ouvido
esfarrapa à farpa a entranha
vento e ventre a grunhir
vazando a víscera vazia
a fome e a noite fria.
Sol a pino
sangue quente corre
às compras
afã enfileirado
prazer
embalagens cores
tilintam moedas
o vão dos dias entupido com produtos
comprar é ensejo entre desejo e dinheiro
talvez seja o último ano de décimo terceiro
há mais Natal para quem compra mais?
Sol a pino
ânimos quentes
é o Natal sobre a terra
a cidade inóspita é toda pedra, mas rasga desigual
descalço
depende de que lado da ponte se fenece
sobre o alicerce da fúria
lascivas s’enleiam penúria e desperdício
a vida circunda o dinheiro
sangue no olho... é assalto!
sangue escorre pelo asfalto
a calçada não absorve
fica o corpo
uma vida pelo carro
escárnio no engarrafamento
o estorvo vai atrasar a ceia
o que não consome é escarro.
Quando
o poeta se encontra no ponto mais baixo, o mundo deve realmente estar virado às
avessas. Se o poeta não está mais autorizado a falar em nome da sociedade, mas
apenas no seu, não resta mais dúvidas de que descemos à última vala.
Henry
Miller
essa coisa de fazer poesia
e trazer tantos lobos para fora do covil
e lobas, todas no cio
e tantos e tantos vazios
ah, coisa vã que é fazer poesia
e que não fala, uiva
e chora e sangra
estrangeira e nativa
numa ilha igual a todas as outras ilhas...
essa coisa inútil que é fazer poesia
e ser um desnudamento tão íntimo
que de tão íntimo desnudamento
é igual em todos os falantes
ah, coisa inevitável
que é fazer poesia
Da água estagnada espera veneno.
Willian Blake
a vileza constitui a fibra covarde
deixa seu limo por onde rasteja e se esgueira
nunca olha nos olhos, sempre de esguelha
cresce pelas costas
a sombra
fétida chega primeiro ao olfato
empunha ardis que não fez, que não faz
porque não tem mãos próprias
de infeliz, gani e cobiça
o riso e a alegria
do outro é o que lhe atiça
quer arrancar frutos que não semeou
rapina, quer mais do que precisa
senta-se em cima dos montes, empanturrado
tem fome por carne morta, esquelética
e prazer em terreno devastado
lança o veneno e espreita pela beira
incapaz de lutar, mata na surdina
ou manda
e foge acovardado.
“O caos é apenas uma forma que
não compreendemos”
Henry Miller.
palavra é Sol do meio dia
no ápice lança sua máxima luz
quer descortinar todas as coisas
num feixe quase fisga o absconso
acena e escapa
no centro do firmamento
ilumina a estrada que leva ao encontro
de andarilhos
estrangeiros no desvario de dizer
a palavra arde inclemente
e queima e cansa
e enquanto revela, também mente
palavra, habitante do norte
mote da andança
mas no fim do dia
todos quedos na escuridão da noite imensa,
infensa!
palavra, crime que compensa!
é o que resta
ao poeta, ao pobre, ao pensamento
lavrar no crescente fértil
do coração
que transborda em tempo de cheia
quer traduzir o que corre pela
veia
alquimia do Sangue em Sol em Som
dizer e desvelar
o vilarejo da
infância.
Por que?
Por que nascemos para amar, se
vamos morrer?
Por que morrer, se amamos?
Por que falta sentido
ao sentido de viver, amar,
morrer?
Carlos Drummond de Andrade.
todo sorriso ofusca o ocaso
mas nos dentes brilham os polos
dentes de gelo, sorriso de apelo
ressoa um pedido de socorro
um frio que queima cada pelo
que recobre todo o solo
e a todo coração paraliza
impassível
glacial destino de tudo
esquecemo-nos enleados
aquecemo-nos
e amamos em movimento
de fuga do inexorável
até perder as asas no Ártico.
debatemo-nos na teia
da tecelã de fome eterna
move-nos a fereza de escapar
para atarmo-nos em nó adiante
de sedoso tato
neon, a promessa do aeon
no fim do expediente
no fim de semana
do ano e da vida
a terra prometida
no dia cinco
no armagedom
no próximo gole
na sua braguilha
ou no futuro de sua filha
e aumenta o preço do gás
da água e do pão
“dê mais um pouco de si, meu irmão”
que termina
nas ruas, quem não dá mais
braços, pernas e dedos das mãos
olhos, estômago
o discurso e a crença
jorra na taça dos charlatões
que não há banquete sem
sacrifício
e duvidar é grande ofensa
pois se é rito sagrado não é matança
é preciso fazer sua conversão.
é chegada a véspera
do juízo final
no vento o agouro
da hecatombe
espera e reza
não fuja, não tombe!
a cada um, a parte que cabe
que riqueza recompensa o espólio
partilha feita
aquém e além de nós
herança e legado
e se não foste convidado ao banquete
nem vinho, nem pão, nem peixe
todo quinto dia útil receberá sua condenação.
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