UNS E OUTROS
Depois de agosto
quero uma primavera de andar sobre a relva
há que sobrar uma flor a se abrir em amor
estou farta dessas farpas
em palavras nunca ditas
navalhas afiadas cortando a língua
ao revés da lavra
quero livre a dor
quero leve a cor
tempestades são anunciadas
busco um gesto equilibrista
entre ventos tão revoltos
nesse quase mundo malabarista
deixo solta a asa
- eu briso
no vendaval da vida -
(Nic Cardeal/2020)
o ruído
o ruído é mudo.
ouço o seu silêncio espalhafatoso.
o ruído delira na sua mais infinita
horda de desespero noturno.
tudo o que for espaço
do qual ele não caiba,
ele grita para os moucos,
ele circula no quadrado,
ele busca a inércia dos santos,
ele imerge no mênstruo das virgens.
o ruído gargalha sequioso,
divaga fora do tempo.
Dudu Galisa
jura não secreta
naquele mar de música
toda meta física
pela tarde quântica
comunhão e prece
no sentido oculto
de mergulhar na pele
dos teus olhos raros
que o poema tece
como um rio claro
onde navegar
Artur Fulinaíma
https://arturkabrunco.blogspot.com/
toada
a mãe sentia enjoança
nos dias tais
o pai lavava os pés
e as partes
dizia ser justo
a mãe temia outra cria
não por desamor
que lambia todas elas
os de barriga crescida
de pele amarela
os de dentes ruins
e os de corpo ligeiro
nas ajudas nas feiras
tanta precisão...
também não gostava mais
do homem entre as pernas
sem paciência
ou palavra bonita
só o bruto esgueirando
o refúgio árido
a mãe fazia maria isabel
sem luxo de carne seca
pimentão
farinha pimenta e cebola
era bom
mesmo grudando na boca
na garganta
pedindo água pra passagem
a mãe gostava de ver
a lambuzança dos meninos
as risadinhas de alegria
da fome esquecida
a mãe amarrava lenço na cabeça
e pegava a enxada
nos tempos de verde
deitava olho comprido
nas gentes
todo dia escuro
no batente da porta
esburacada
tinha medo que um bicho
fosse fazer pouso por lá
e achasse boa aquela ossura
os de tamanho e de força
pra roçar iam atrás
chutando pedra e terra
gritando gol
sonhando com bebida
de canudinho
o pai dava peteleco
que não gostava de bestagem
a mãe apertava o peito
e os olhos secos
mais seco que aquele sertão
e xingava padim ciço
que não valia
por suas crianças
e mandava mais
e mais e mais
o menor parido leso
a mãe pegou estrada tísica
o sol queimava a cabeça
os cabelos caindo
sem laço
que tanto gostava
o pai até ficou manso
ajudava o passo pouco
molhava os lábios feridos
prometia mesa cheia
escola roupa limpa
baile e vestido de flor
depois enervava
e punha ligeireza
nas pernas
tocando a família
como se fosse boiada
lembrança dos tempos do avô
em cima de um cavalo
pé duro
... como a vida
Mara Magaña
Ronaldo
Zacharias
poema da criação
no primeiro dia da criação
eu era o último da fila
nasci de improviso
deus estava em crise
minha alma é um lago à tarde
não sei chorar pra fora
vejo as estrelas
meu desalento dorme
e se encontra com o desespero
no primeiro lugar da fila
no último dia da criação
Quando a dor
era muita
Pintava um maço de callas
Na tela
Muda
No mata-borrão
O desabafo.
Manuela Dipp
Poema escrito para o exercício do Sarau da
Invencionática com inspiração na obra de Magliani
aquarela
de Maria Lídia Magliani
Arquivo
pessoal de Paulo Gasparotto: "Noutra ocasião, descobri que existem flores
negras e levei um arbusto florido para minha casa. Naquele dia, Magliani esteve
me visitando e mostrei as originais flores. Em seguida, recebi o desenho
aquarelado com as flores que me encantavam".
Com quantos silêncios
Se faz uma metáfora?
Com quantas palavras
Se escreve poesia?
o coelhinho no colo
é para esconder o seu desejo
Federico Baudelaire
os sonhos estão escassos
no caminho de quem
vive e sente
tudo é mudez e silêncio
na vida do indigente
sem sobras nem sorte
sem eira nem beira
aos trancos e barrancos
sem amparo nem nome
as cabeças não se voltam
seus olhos estão voltados
em outra direção
e a miséria
não ocupa seu tempo
que vale ouro
Poema de Benette
Bacellar - 2022
WERON fotoportrecista FX
inverno
primeiro sonho
I
era agosto
e vimos o centro do Rio pegar fogo
enquanto procurávamos algum lugar
que vendesse o nosso café coado
era agosto
e você contava pela milésima vez
sobre a performance da Lygia Clark
e eu fingia que era a primeira
só para você repetir pela milésima vez
aquele gesto com as mãos que eu tanto amava
era agosto
e era preciso alimentar certas coincidências
e era preciso alimentar certas ilusões
e todo o “sim” que as placas diziam
mesmo quando a cidade cantava:
♪ Vai passar…
Lisa Alves
Leia
mais na vista Acrobata
Jura secreta 57
meta metáfora no poema meta
como alcançá-la plena
no impulso onde universo pulsa
no poema onde estico prumo
onde o nervo da palavra cresce
onde a linha que separa a pele
é o tecido que o teu corpo veste
como alcançá-la pluma
nessa teia que aranha tece
entre um beijo outro no mamilo
onde aquilo que a pele em prumo
rompe a linha do sentido e cresce
onde o nervo da palavra sobe
o tecido do teu corpo desce
onde a teia que o alcançar descobre
no sentido que o poema é prece
Artur Gomes
do livro Juras Secretas
Editora Penaluz – 2018
Leia mais no blog https://secretasjuras.blogspot.com/
"estão terrivelmente sozinhos/ os doidos,
os tristes, os poetas"
Hilda Hilst
Ariano
Aos nascidos entre 21/3 e 19/4
Se amo
me inflamo
Se odeio
incendeio
Tudo, em mim,
chama chama
sem rodeio.
Leonardo Almeida Filho
Agosto
vento a gosto
cachorro louco
solto
no entre posto
confusão
em sacramento
no poema desatino
quando escrevo e não assino
Artur Gomes Fulinaíma
leia mais no blog
https://fulinaimagens.blogspot.com/
Terceira Edição – Especial em comemoração a chegada dos 74 anos
do poeta Artur Gomes
Santa Paciência – Casa Criativa – Rua Barão de Miracema, 81 –
Campos ex-dos Goytacazes-RJ
E vem aí Pátria A(r)mada – segunda edição revista e ampliada –
Editora Desconcertos – lançamento em setembro próximo
veja toda programação no blog
https://centrodeartefulinaima.blogspot.com/
foto: Welliton Rangel
Fulinaíma MultiProjetos
22 – 99815-1268 - whatsapp
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